jueves, 8 de junio de 2023

COEXISTÊNCIA PACÍFICA - 75 - jorge peres

 


  


                              COEXISTENCIA PACÍFICA


    Vou-vos apresentar uma personagem diferente … FERBY EMANUELLE … um nome muito adecuado au seu perfil … sério … olhar profundo … silêncioso … respeituoso … quase aristocrático … ou deveria dizer … aristogático … ?!!?
    Ferby era um gato de quatro anos … quase 7 quilos de peso … e um pelo lustroso … brilhante …
    Tinham-no resgatado de uma morte certa … vivia naquela casa desde entäo …
    Ferby era, em si mesmo, diferente, e tinha uma característica especial que o destinguia da maior parte dos outros gatos … compreendia integralmente a linguagem dos humanos …
    Näo era só a capacidade de “ler” a adrenalina e os estados de espírito … ele entendia o português …
    Isso trazia-lhe vantagens e desvantagens … por um lado sempre sabia exactamente o que passava à sua volta … por outro lado … estava mal visto no “reino” dos outros gatos …
    Mas naquela casa ele era o único animal … todo o espaço era seu …
    Ao menos de momento … porque na semana passada ouvira como Mara, a sua dona, pedia a Andrés, o seu marido … um cão!
    A ideia não lhe fez muita graça …
    Um cão ?!!? Que estava passando ?!!? Ele já não era companhia suficiente ?!!?
    Ainda se fosse outro gato !!! … estava seguro de controlar a situação … mas ,,, um cão ?!!? E … que tipo de cão ?!?
    A reacção do Andrés foi dizer-lhe que não seria boa ideia … de que um cão significava novas responsabilidades e rotinas … mas … Ferby era um gato … um gato esperto … os indíces de adrebalina do marido da sua dona não diziam exactamente o mesmo que as suas palavras ,,, ele sabía que seria tão só, uma questão de tempo …
            Efectivamente assim foi …
    Aquela mesma tarde observou como Andrés entrava em casa, transportando uma caixa … com muito cuidado …
    Em questão de segundos chegou-lhe o cheiro …
--- Querida !…! Já estou em casa … tenho algo para ti …
    Mara chegou a correr da cozinha …
--- O que se passa ?!!
    O marido apontou-lhe a caixa …
--- É para ti !
--- É para mim ?!!? O que é ?!!?
    Ao abrir caixa os olhos dela derreteram-se de ternura …
--- Oh!! Andrés !! … que bonito … és um querido … …
--- Já podes começar a pensar que nome lhe vais pôr …
--- Já tenho um … NEO … vamos a chamar-lhe NEO …
    Neo ?!!? Que raio de nome era esse ?!!?
    Agora, olhando-o fora da caixa … via-o muito pequeño … muito débil …
    Certamente não lhe iria fazer concorrência … em todo o caso … estaría alerta …
    As coisas começaram a mudar naquela casa depois daquela tarde …
    Neo não era agora o centro das atenções …
    Levavam-no à rua … duas vezes ao dia … tinha que dividir espaço com ele à hora da comida … com um cão minúsculo … súper desastroso … e ainda por cima a comida dele era muito boa … quase melhor do que a sua …
    À hora da “sesta”, quando Ferby se preparava para ocupar o seu lugar no sofá … já estava ocupada … por    Neo … claro !!!
        Mas, a gota de água que lhe fez vazar o recipiente da sua paciência foi quando chegou a hora dos seus donos irem dormir …
    Ferby tinha o seu “lugar cativo” aos pés da sua dona …
    Desde há quatro anos que ele disfrutava de essas horas nocturnas de tranquilidade …
    O problema é que começaram por deixá-lo fora do quarto … e isso deixou-o intrigado …
    Aproveitando um momento de distração entrou …
    O que viu tirou-lhe o ronronear …
    Neo dormia placidamente no seu lugar … Isso requeria acçöes rotundas … rápidas … imediatas …
    Iria complicar-lhe a vida …

                                ---------//---------

    O dia começou aparentemente tranquilo.
    Andrés saira cedo … como todos os dias …
    Mara estava a tomar o pequeno almoço …
    Ferby disfarçava que dormia … mas näo … estava alerta …
    Cumpriam-se 8 dias desde que Neo entrara naquela casa …
    Oito dias complicados … ao menos para o cäo …
    Logo no primeiro dia, Ferby, esperou que os seus donos acabassem de jantar …
    Quando ja quase tinham recolhido a mesa, Ferby espetou as unhas na toalha …
    Puxou … ao mesmo tempo chamou a atençäo de Neo …
    O cäo chegou no momento exacto em que toda a toalha e um copo de agua, que ainda estava na mesa, lhe caía em cima …
    Mara chegou alertada pelo som do copo partindo-se no chäo …
--- Neo !!! Que fizeste ?!!?
    O pobre do Neo olhava para ele com um ar desconcertado enquanto à distância, Ferby exibia o sorriso de um gato misterioso …
    Tinha começado a guerra … Ferb – 1 … Neo – 0 …
    Dois dias depois, Mara estava a fazer um bolo …
    Aproveitando o momento em que a sua dona foi à sala buscar o telemóvel, Ferby atacou …
--- Olha !!! Oh amostra de cäo … !!! Eu sou mais rápido do que tu …
    Neo, de imediato, aceitou o desafio e começou a persegui-lo …
    Ferby saltou para a mesa da cozinha … Neo imitou-o …
    Ferby parou repentinamente … habilidade de felino …
    Neo … näo conseguiu travar a tempo …
    Enquanto deslizava pela mesa chocou com o pacote da farinha … acabou caindo ao chäo … todo branco deixando pegadas inequivocas por toda a cozinha …
        Ferby voltou ao seu recanto e esperou …
--- Neooooo !! --- a sua dona já se tinha dado conta … outro ponto mais para ele …
    Nos dias seguintes sempre foi passando algo …
    Astutamente, Ferby conseguia sempre que os seus donos culpassem o recém chegado …
    Quase sentia pena … pobre Neo …
    Mas näo iria parar … necessitava recuperar o seu espaço … e a atençäo de Mara e Andrés …
    A noite anterior ouvira uma conversa entre eles … estavam a chegar à conclusäo de que o cäo era demasiado desastrado … chegaram a falar em devolvê-lo …
    Para Ferby era a vitoria total …
    Faltava o toque final … e o negro gato sabia bem o que queria fazer …
    A janela da cozinha estava sempre aberta …
    Desde aí, Ferby passou ao jardim que se encontrava na parte de trás da casa …
    Ao fundo havia uma pequena barraca de madeira … uma pequena arrecadaçäo … cheia de coisas interesantes … de certeza que enontraria algo com que culpar a Neo …
    A porta sempre estava encostada pelo que näo foi difícil entrar … já o tinha feito muitas outras vezes …
    Dentro havia uma velha estante de metal, com sacos e volumes …
    Bem no cimo estava, precisamente uma caixa grande …
    Tinha a certeza que näo estava aí na sua ultima visita …
    De um salto subiu e colocou-se ao lado da caixa …
    Com a pata tentou abrir a tampa … tinha que saber o que estava lá dentro …
    Parecia pesada … faria um pouco mais de pressäo …
    Entäo teve uma sensaçäo desagradavel … estranhamente desiquilibrante … a estante começou a inclinar-se … mais … mais …
    Ferby consegiu saltar no mesmo momento em que caia por completo espalhando tudo pelo chäo de terra …
    Ouvia sons esquisitos … começou a notar cheiro de fumo … tentou a sair … mas a porta estava bloqueada …
    Olhou para cima e avaliou a situaçäo …
        Ao cair a estante partiu uma lâmpada que estava pendurada do tecto … dos filamentos expostos saíam faíscas que estavam a criar pequenas chamas num velho colchäo de espuma que estava contra a parede …
    Conclusäo … estava preso num espaço com pouco mais de um metro quadrado sem janelas … com um princípio de incêndio que cada vez aumentava mais e com todo o espaço a encher-se de fumo … a sua situaçäo era crítica …
    O instinto de sobrevivência levava Ferby manter-se junto ao chäo …
    Miou o mais forte que pôde … mas, com a porta fechada, ninguém o iria ouvir … terminaria assim os seus dias ?!!!!? … ingloriamente ?!!?
    Ouvia-se já o crepitar das chamas … cada vez mais fortes … iam comsumindo todo o colchäo … rapidamente iria consumir as paredes de madeira da barraca …
--- Ferby !!
    Alguém o chamava … quem seria ? Näo reconhecia a voz …
--- Ferby !! Estás aí dentro ?!
--- Sim !… Quem és ?
--- Sou Neo …
    Olha ! O pequeno tambem fala …
--- Neo … chama a Mara …
--- Ela já sabe do fogo … o que näo sabe é que tu estás aí … !
    O fumo começava a atacar a garganta de Ferby … já tinha dificuldade em pensar …
--- Vou-te tirar daí …
    Ele ouviu … mas näo acreditou … como iria aquele cäo … pequeno … azarento … poder ajudá-lo ?!?
    Um som compassado chegou até ele … näo conseguia identificar a proveniência … parecia vir de uma das paredes laterais …
    Fosse o que fosse … já era tarde ...

    O som manteve-se durante alguns minutos …

    Ferby já quase não se aguentava nas quatro patas … cada vez havia menos oxigénio … deitou-se na terra e fechou os olhos … assim acabaria tudo …
--- Ferby … vem !!!
    Olhou sobressaltado …
    Neo tinha escavado um buraco no chão, desde o outro lado … agora havia uma pequena abertura por onde, com um pouco de esforço, Ferby podia sair …
    O primeiro que viu, quando chegou fora foi Mara … chegava com uma mangueira …
--- Vem ! Ferby ! Vais-te molhar …
    Correu o que pôde … só parou no seu tapete, na sala … agora estava seguro … já podia respirar …
Deitou-se com um só movimento, enquanto Neo se aproximava lentamente …
--- Estás bem ?!
--- Sim, Neo … muito melhor … obrigado …
--- De nada … descansa …
--- Neo !
--- Sim ?!
--- Podes deitar-te aqui … se queres … há espaço para os dois … --- chegou-se um pouco para trás .
    Neo aceitou o convite.
    Mara apagou o pequeno incêndio em poucos minutos … era consciênte que os dois animais não se davam bem … aquela foi, possivelmente, outra invenção de Ferby para culpar o pobre Neo …
    Já eram demasiadas coisas … teriam que prescindir de um deles … e a ter que tomar essa decisão … teriam que entregar o cão … era o recém chegado …
    Começou a fazer a chamada pelo telemóvel … tinha que contar ao seu marido … tinha que informá-lo …
    Mas o que viu, quando chegou à sala fê-la interromper a acção …
    No cantinho dos animais, Ferby e Neo dormiam … abraçados … um quadro de uma ternura difícil de traduzir em palavras …
        Em vez de escrever tirou uma fotografia e mandou-a a Andrés …
    Afinal … talvez não fosse necessário devolver Neo …
    Talvez pudessem viver todos numa … coexistência pacífica …

                                        fim



correctora – MARIA JOÃO PERES

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