jueves, 24 de noviembre de 2022

UM MUNDO NOVO - jorge peres

 


                            UM MUNDO NOVO


     O parque dos Loureiros era o seu local preferido. Tinha umas mesas de pedra com os seus respectivos bancos …

    Joel, fazia de uma de elas o seu escritorio.

    Aí escrevera dois dos seus ultimos livros … e aí estava “fabricando” o proximo.

    Passava, nesse local, umas duas ou tres horas quase todos os dias …

    A uns 50 metros, uns repuchos com agua, saindo do chäo em intervalos regulares criavam um ambiente sonoro quase paradisíaco.

    Numa pausa, entre uma ideia e outra, Joel viajou com os olhos á sua volta … havía um pequeño bar que estava, nesse momento, a abrir as suas portas …

    Num outro banco, uma rapariga chamou a sua atençäo … cabelo comprido … loiro … vestido branco com borboletas de varias cores …

    Ela sentiu-se observada e cruzou o olhar com o seu.

    Timidamente, e quase em silencio, Joel cumprimentou-a … e quis continuar a escrever … mas a sua inspiraçäo estagnou de repente …

    Voltou a olhar naquela direcçäo … ela sorriu … näo estava enganado … näo havia mais ninguem … o sorriso era mesmo para ele …

    Entäo ela fez um gesto de “ olá” com a mäo …

    Joel ficou nervoso … baixou os olhos por segundos … decidiu devolver-lhe o gesto … mas … ao olhar de novo … … a rapariga já lá näo estava.

    Onde tinha ido ?!!! Olhou em toda a volta … nem sinal …

    Levantou-se e percorreu os poucos metros que o separavam do banco de pedra de onde tinha visto a rapariga … nada … decidiu que o melhor que tinha a fazer era voltar e continuar a escrever …

    Antes de dar meia volta algo chamou a sua atençäo … no banco estava um pequeño aviäo feito de papel dobrado … apanhou-o … seria dela ?!!

    Olhou-o atentamente durante varios minutos … sentia que teria um significado … mas qual ?!!!

    Instintivamente começou a desdobrar o papel … parecia ter algo escrito …

    Quando finalmente, o aviäo näo era mais que uma pequena folha, apareceu uma frase:


                A distancia entre a imaginaçäo

                    e a realidade está a 12 passos

                    entre o sagrado e o óxido.”


    Que era aquilo? Que significava? … sagrado ?!!!! … óxido ?!!! …

    Joel continuava a olhar para o papel como se, por artes mágicas, ele fosse responder ás suas perguntas …

    Entäo começou a pensar … os antigos chamavam sagrado ao interior dos conventos e igrejas, porque aí enterravam algumas pessoas … depois passaram a chamar terra sagrada ao interior dos cemitérios … pelo mesmo motivo … … cemitérios … o muro, ao fundo do parque, era tambem a parede do Cemitério Municipal de Castelo Branco.

    Levantou-se e caminhou até ao grosso muro de pedra.

    Olhou á volta … só viu plantas … arvores … o portäo lateral … o portäo … velho … de ferro … enferrujado … … oxidado …

    Voltou a ler o papel …


            “ … 12 pasos até ao óxido.”


    Era uma loucura … mas … porque näo?

    Encostou as costas ao muro e começou a contar os passos …

Um … dois … tres … … …

    Ao décimo passo tinha um arbusto alto na sua frente … tinha que dar a volta … mas assim ia-se perder nas contas … e se pudesse dobrar um pouco a planta, e passar por cima ?!!!

    Com algum esforço conseguiu dobra-la um pouco … o que encontrou deixou-o perplexo … …

    Parecia uma porta … tentaria abri-la.

Estás seguro de que queres abrir essa porta?!

    A voz surpreendeu-o … mesmo atrás dele estava a rapariga loira.

Olá. Venho aquí quase todos os dias e näo sabia que aquí havia uma porta.

É normal. Poucos a conhecem … cuidado ! … nunca abras uma porta onde näo queiras entrar !

Porquê ?!!! Posso abrir uma porta só para saber o que há do outro lado … depois decido se entro ou näo.

    Ela sorriu … parecia divertir-se com aquela conversa.

És jornalista?

Näo. Sou Joel … sou escritor …

Claro ! Eu sou Sara.

Posso convidar-te a tomar um café, Sara?

Porque näo?

    Joel voltou a olhar para a porta … mas já lá näo estava … o arbusto näo era mais do que isso … uma simples planta … nada mais …

Näo compreendo …

Tranquilo … já compreenderás … Vamos tomar esse café ?!

    O silencio dele mostrava preocupaçäo.

Sinto-te um pouco perdido …

Estou a ver coisas muito raras … eu vi uma porta … mas … agora já näo estava …

É uma porta mágica.

    Olhou para ela … sem duvida estava a gozar com ele …

Mágica ?!!! Boa resposta.

Näo acreditas em magía, Joel ?

A verdade é que … näo muito …

Mas estás a falar comigo !

Ah! Tu tambem es mágica ?!! — näo conseguiu evitar uma pequena gargalhada.

É verdade ! Näo acreditas em mim ?!

Näo !

Deixaste todos os teus papeis e a tua bolsa na mesa de pedra em que estavas a escrever …

Ai ! É verdade … esqueci-me completamente …

    Levantou-se mas ela pos-lhe a mäo no braço.

Tranquilo … senta-te … relaxa … fecha os olhos …

Olhou-a atentamente … mas acabou obedecendo.

Já podes abrir.

Uma vez mais ficou estupefacto … todos os seus papeis … a bolsa de tiracolo … a esferografica … tudo estava na mesa, ao lado dos cafés.

Como … como é possivel ?!

Sou mágica … já te tinha dito.

    Agora riram-se os dois.

E a que te dedicas, Sara?

Sou feiticeira.

Claro! Porque fui eu preguntar ?!!!

A serio !

Sem duvida es muito divertida.

Gostas de café con gelo?

Sim. Muito. A verdade é que näo gosto de café quente.

Pois é o que tens na tua frente.

    Joel olhou para o seu café … de repente tinha aparecido um cubo de gelo na sua chávena …

Convencido ?!

E o que mais podes fazer ?!

Sou uma feiticeira branca. Só posso fazer coisas que näo prejudiquem ninguem.

Joel estava a divertir-se.

Que bons momentos estou a passar contigo.

Estou habituada a que me digam isso.

E também é costume que te digam que és muito bonita ?

Sim. Também.

Tenho pena da minha falta de originalidade.

Tu és diferente, Joel.

Ah! Sim ?!!!?

Por isso te deixei a chave.

Chave ?! Que chave ?!!

A frase no aviäo de papel … é a chave que te dá acesso á porta … só näo esperava que fosses täo decidido …

E que há do outro lado da porta?

Um mundo mágico.

Diferente deste ? — Joel já näo se ria.

Sim. Muito diferente.

Melhor ?!

Isso depende de cada um.

Parece interessante.

Tu tens a capacidade de sobreviver nesse mundo … mas presta-me muita atençäo … tens que pensar muito bem … se decides entrar … näo há como regressar.

Näo posso voltar ?!!!

Näo.

E tu vives la ?

Sim.

Pois a mim parece-me cada vez mais interessante.

A serio Joel … pensa bem …

    Ficou uma vez mais pensativo … instintivamente olhou na direcçäo da porta … foram poucos segundos … depois quis continuar a conversa … mas ela já näo estava … tinha desaparecido … outra vez …

    Que coisas mais estranhas … mas o olhar de Sara näo lhe saia da cabeça …

    Apanhou as suas coisas e caminhou na direcçäo do arbusto … nem sinal da porta … recordou ento as palavras de Sara :


                    “ … tu tens a chave ...”


    Procurou no bolso das calças o aviäo e voltou a ler a frase.

    De novo colocou-se junto ao muro e começou a contar os passos na direcçäo do portäo de ferro … agora sim … estava a porta.

    Esticou o braço para a abrir … mas … parou o movimento …

    Sara disse que näo poderia regressar … tinha de estar completamente seguro.

    Sentia muita vontade de ir ter com ela … mas de repente, começaram a desfilar pela sua cabeça imagens … dos seus pais … dos seus amigos … dos seus escritos …

    Olhou á sua volta procurando encontrar Sara … mas desta vez näo estava …

Perdeu alguma coisa, senhor?!

    Era um dos guardas do parque.

Näo, näo. É que me pareceu ver um animal.

É possivel. Por aquí aparecem muitos. Tenha um bom dia.

Igualmente.

    Voltou a olhar para o arbusto … a porta já lá näo estava …

    Voltou a olhar para o aviäo … o pedaço de papel estava em branco … nem sinal da frase chave …

    Entäo compreendeu … deixara passar a sua oportunidade … ainda näo estava preparado …

    Encarou o assunto com tranquilidade … no fim de contas, por pior que seja a realidade conhecida … sempre será melhor que um mundo novo … desconhecido …



                                            fim

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viernes, 18 de noviembre de 2022

RELOGIO ... NÄO PARES ... - jorge peres

 


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                        RELOGIO … NÄO PARES ...


    Desde o palco, Roberto olhava aquelas, cerca de 200 pessoas, que enchiam o CÍRCULO ROJO, a sala de espectaculos mais conhecida de TOLUCA DE LERDO.

    Os mexicanos gostavam de música, e, os TRES CABALLEROS, eram sempre muito bem recebidos … naquela noite näo era diferente …

    ROBERTO CANTORAL estava, como sempre, acompanhado do seu violäo, uma guitarra espanhola, já com alguns anos, mas com um som que ele considerava muito seu.

    Era a ultima cançäo … já tinham esgotado a lista com que preparou para aquele espéctaculo … e já iam no terceiro “encore” …

    Fechou os olhos quando, ao terminar os ultimos acordes, receberam quase cinco minutos de aplausos … sentia-se cansado … mas muito feliz …

    Procurou por entre as pessoas da primeira fila … facilmente a encontrou … ITATÍ … a sua esposa … era a mais efusiva … mandou-lhe um beijo subtil …

    Mais tarde, no camarim, ela foi das primeiras a chegar. Atirou-se literalmente para seus braços …

Que lindo, “mi amor” … — os seus olhos brilhavam apaixonados …

Obrigado, querida … bem sabes que tu es a minha inspiraçäo …

    Ouviram-se sorrisos abafados … os outros dois companheiros reagiam a toda aquela manifestaçäo de amor e carinho.

Vamos ficar com inveja!

    Terminaram todos a rir.

Vamos jantar ao SOMBRERO LARGO?

Boa ideia!

    Olhou na direcçäo da sua esposa com ar interrogante.

Meu amor … contigo … até ao fim do mundo … Mas primeiro vou telefonar para saber como estäo os miudos.

Claro que sim.

    No corredor havia um telefone publico.

    Roberto e Itatí estavam casados já há alguns anos e tinham dois filhos.

    Ela acompanhava-o sempre que podia e sempre que a sua mäe se encarregava dos pequenos.

    Horas mais tarde, já depois do jantar, o casal decidiu dar um passeio a pé.

    A noite estava clara, iluminada por uma lua cheia … acabaram sentados … abraçados … olhando, ao fundo o NEVADO DE TOLUCA, uma montanha cheia de neve.

Sabes que o tempo passa e continuo completamente apaixonado por ti?

Eu tambem, Roberto.

Sempre pensei que com o tempo, e os filhos, as coisas se tornariam mais leves … mais “normais” mas näo … … tu lembras-te de como nos conhecemos?!

    Näo houve resposta.

Itatí … ouviste o que acabo de dizer?!

    Olhou para ela … tinha os olhos fechados … estava desmaiada …

Itatí …!!! ITATÍ … !!!

    Suave mas rapidamente colocou-a no carro e acelerou na direcçäo do hospital …


                                    -------//-------


    Já estava umas duas horas na sala de espera do Hospital Central de cidade. Eram tres horas da manhä … pelo menos é o que marcava o grande relogio na parede.

---Acompanhante de Itatí Zuchí !!!

    Um homem alto e forte, de bata branca olhava para ele.

Sim. Sou o marido. Sou Roberto.

Olá. Sou o doutor ISMAEL SANTAMARIA. Pode acompanhar-me, senhor Roberto. Preciso de falar consigo.

    Entraram numa pequena sala e o doutor fez-lhe um gesto, convidando-o a sentar.

Como está a minha esposa, doutor?!

Sr. Roberto … näo trenho boas noticias para si. A sua esposa sofreu um acidente vascular cerebral … um “avc” … muito forte …

E é grave, doutor?

Muito grave. Posso ser honesto consigo?

Claro que sim … por favor …

Existe a possibilidade de que näo sobreviva a esta noite.

Meu deus !!!!!

Virei, sempre que tenha novidades, falar consigo.

    Voltou á sala de espera … sentia um forte aperto no estomago … näo podia perder-la … ela era a sua vida …

    Na imensidäo da sala, naquele momento completamente vazia, o silencio só era interrompido pelo constante “ tic – tac” do relogio.

    Roberto tirou do bolso um bloque de apontamentos e começou a escrever o que sentia na alma…


            Reloj no marques las horas …

              Porque voy a eloquecer …

              Ella se irá para siempre

              Cuando amanezca otra vez …


    As lagrimas quase o impediam de ver o que escrevia … limpou os olhos … continuou …


            “ No más nos queda esta noche

              Para vivir nuestro amor …

              Y tu tic tac me recuerda

              Mi irremediable dolor … “


    Momentaneamente fechou os olhos … pela sua mente passaram imagens de Itatí … o seu olhar … o seu sorriso …

    Roberto era muito religioso … mentalmente entregou-se a uma oraçäo, pedindo pela sua amada … começava a sentir que só uma ajuda divina a poderia ajudar …

    Depois voltou a escrever :


            “ Reloj … detén tu camino …

              Porque mi vida se apaga …

              Ella es la estrella

              Que alumbra mi ser …

              Yo sin su amor … no soy nada … “


    O médico apareceu de novo.

Há novidades, doutor?!

Algumas, senhor Roberto. A sua esposa está a recuperar a consciencia … agora temos de verificar se recupera totalmente … sabe que estas coisas, ás vezes, deixam secuelas …

Mas … sobreviverá ?!!!!!?

Ainda näo o podemos afirmar com certeza … ainda é cedo … precisamos de mais algumas horas …

    Outra vez ficou sozinho … outra vez olhou o grande relogio na parede ...


            Detén el tiempo en tus manos …

              Has esta noche perpetua …

              Para que nunca se vaya de mi …

              Para que nunca amanezca!


    Depois inclinou-se um pouco para tras … e cedeu ao cansaço …

Senhor Roberto?! — despertou de repente … nervoso … á sua frente, uma enfermeira …

Senhor Roberto. Trago boas noticias. A sua esposa está a recuperar bem .. daqui a poucos minutos poderá vê-la … já voltarei para o acompanhar.

    Roberto respirou fundo … precisava ar fresco … o melhor seria sair por um momento …

    Antes de abandonar a sala de espera lançou um ultimo olhar ao relogio … o seu companheiro daquela noite …

Obrigado … relogio … näo pares …



                                    ( quase) fim



    Os TRES CABALLEROS, foram um trio de boleros e outros ritmos sul amaricanos, de que fez parte ROBERTO CANTORAL, o autor da cançäo “RELOJ” e o seu primeiro intérprete.

    Sempre se falou que o tema tinha sido inspirado num episodio amoroso, num ultimo encontro, uma noite, num quarto com um relogio na parede.

    CANTORAL faleceu en 2010, mas uns meses antes deu uma entrevista onde confessou que escreveu a cançäo na sala de espera de um hospital … tudo o resto é invençäo minha … ficçäo … ?! … ou … realidade … ?! …


                                FIM (agora sim)

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viernes, 4 de noviembre de 2022

ROQUE E LUCÍA - jorge peres

 


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.                      ROQUE E LUCIA – (esp)



    Sentado num banco do TEMPLO DE DEBOD, Roque pensava no passo que deveria dar.

    Em causa estava aceitar, ou näo, a oferta de trabalho que tinha surgido do nada …

    Tinha estado pensando, até á exaustäo … a sua intuiçäo dizia-lhe que näo … mas a sua idade, já ultrapassava os 40, pedia-lhe que pensasse seriamente na situaçäo com uma perspectiva de futuro.

    Na mäo direita apertava o telemovel, pronto a marcar o número para onde deveria dar a sua resposta.

    Iria ouvir o seu interior … ele era músico … näo administrativo …

    Com um movimento firme marcou o numero que estava escrito no cartäo de visita … quase sem respirar ouviu o sinal de chamada … …

Si. Estou?! — era uma voz de mulher.

    Roque ficou momentaneamente sem reacçäo … que voz aquela … tranquila … doce … de repente sentiu-se invadido por uma estranha paz … a voz insistiu:

Sim?!!? … Quem fala ?!!!!

Bons dias, senhora … eu pretendia falar com uma editora musical … mas parece-me que me enganei no numero …

— Talvez … aquí ouvimos música … näo a publicamos …

Peço desculpa, senhora.

Näo há problema … ás vezes é agradavel falar com alguem desconhecido …

É verdade … tem razäo. Foi um prazer ouvir uma voz täo bonita …

Muito obrigado … você é muito simpático.

    Desligaram. Roque ficou varios segundos a olhar o aparelho como se, por artes de magia, pudesse aparecer no pequeño écran a imagem da portadora daquela täo doce voz.

    Procurou no registo do seu telemovel o ultimo numero marcado e comparou-o com o cartáo … tinha-se enganado no quarto algarismo … agora teria mais cuidado.

                                -------//-------


    As questöes profissionais ocuparam-no cerca de meia hora.

    Olhou o relogio … eram horas de almoçar.

    Parou no primeiro restaurante. Escolheu um lugar na esplanada onde näo apanhasse sol … näo gostava de sol …

    Aquela voz näo lhe saia da cabeça … incrivel … tinha-lhe dado o que mais precisava naquele momento … paz …

    Queria ouvi-la de novo … e, se marcasse outra vez aquele numero? … soaria estranho … a primeira vez foi um engano … agora … podia ser um erro …

    Mas ele näo era muito de fugir aos erros … como tal … clicou em “repetir chamada” …

Sim?! — era a mesma voz.

Perdäo … sou eu, outra vez …

Voltou-se a enganar de novo?!!

Näo … na verdade näo … apenas queria ouvir de novo essa voz …

É uma voz normal e corrente …

Náo! …  nada de isso … é uma voz que, primeiro se estranha … depois … se entranha …

Uiii!!!! Que profundo … …

Roque. Sou Roque Narvaja … e por favor näo me trates por senhor … näo sou assim täo velho …

Ok, Roque … Eu sou Lucía …

Lucía … um nome täo bonito quanto a voz …

Que galante !!! … !!!

Perdäo … só digo o que penso …

Acredito … por esse sotaque deduzo que näo nasceste aquí, em Madrid.

É verdade. Es muito atenta …

Argentino … talvez ?!!!

Touché !!! Em cheio. Na verdade nasci em Córdoba, Argentina.

E o que faz um argentino em Madrid?

Sou músico, Lucía … escrevo cançöes.

Que fixe … e … em argentina näo gostam das tuas cançöes ?!!?

Roque segundos uns segundos de silencio …

Näo posso voltar ao meu país, Lucía. Näo, enquanto o regime me tenha numa lista negra. Por isso vivo aquí desde 1977.

Desculpa … näo fazia ideia …

Sem problema …

Agora mesmo tenho que sair. Se queres podemos continuar a falar mais tarde.

Claro que sim … se tu me permites que te ligue ao final do dia.

Claro que sim.

    Ficou a olhar o écran desligado do telemovel … Lucía … que interessante e inesperada descoberta …

    E ligou essa noite … e na manhä seguinte … e na noite seguinte … e durante as tres semanas seguintes … uma vez ligava um … outra vez o outro … falaram de tudo … trocaram confidencias … ele maravilhado … ela encantada … e seguiam querendo falar mais … e mais …


                                    -------//-------


    Numa manhä primaveril, Roque acordou com uma ideia fixa na cabeça … tinha que ve-la … conhece-la pessoalmente … näo tinha nem uma foto dela … ligou para ela durante o pequeno almoço.

— Olá Lucía.

— Olá Roque … estava a espera da tua chamada …

Sim ?!!!? Que bom … esta noite sonhei contigo.

Uau!!! Um pesadelo?

Nada disso … sonhar contigo é sempre uma delicia … mas comprendi que precisava de algo …

Ai! Sim?!!? E que precisava?

Penso que já chegou o momento de nos conhecermos pessoalmente …

Do outro lado fez - se um profundo silencio.

Lucía … estás aí?!!?

Sim.

O que se passa? Disse algo inconveniente?

Näo.

ui … ui … esses monossilabos dizem - me o contrario …

Tenho que desligar … tenho coisas para fazer.

— … Ok …

    Näo conseguia compreender o que se tinha passado … mas sentia que algo iria mudar … e tinha razäo …


                                --------//--------


    Nas semanas seguintes era sempre ele quem ligava … a voz dela soava triste … apagada … muitos monossilabos … poucos sorrisos …

    Roque se desesperava … näo compreendia porque tudo mudara.

    Sentou-a na sua mesa e começou a escrever:


            A menudo me recuerdas a alguién …

            Tu sonrisa, la imagino … sin miedo …

            Invadido por la ausencia

            Me demora la impaciencia …

            Me pregunto si algún día te veré … “


    Aquela noite, uma vez mais, foi ele quem ligou.

— Ola Lucía.

— Ola.

Como estás?

Bem.

Olha … estou a escrever algo, que será uma futura cançäo … queres que te leia o que tenho?

Sim. Gostaria.

    A leitura criou ainda mais silencio …

Bonito …

Espera … näo está completo … vou  continuar agora mesmo …


            Ya sé todo de tu vida, y sin embargo

            No conozco ni un detalle de ti.

            El telefono es muy frio

            Y tus llamadas son tan pocas …

            Yo si te quiero conocerte y tu no a mi. “


Muito bonito.

Näo consigo compreender porque náo te queres encontrar comigo … pensava que tinhamos algo bonito …

Temos algo bonito.

— Continuo sem comprender …

    Novo silencio … un vazio forte … pesado …

Tenho un segredo.

Que dizes?!!!

Eu tenho um segredo … algo que näo te contei … quando o conheças … pode ser que mudes o que pensas que sentes por mim …

Náo me digas que tens marido!

Näo! Náo tenho ninguem !!!

Entäo vem … encontra-te comigo … conta-me esse segredo … cara a cara … assim poderás ver a minha reacçäo. Uma coisa te digo … eu sou “gemeos” … as minha reacçöes säo puras e sinceras …

    Novo silencio.

Ok! Seja! Encontremo-nos …

A sério? Uffff! Finalmente …

    Marcaram para a manhä seguinte.

    O local proposto por Roque foi a Pastelaria Bordha, ao final de la Calle Preciados, quase a chegar á Plaza Sol … 11 horas … estaría pouca gente … ela aceitou.


                                ------//------


    Chegou cedo … pouco passava das 10.30h

    Escolheu uma mesa desde onde pudesse ver os dois lados da rua … tal como a sua previsäo … passava pouca gente.

    A sua cabeça näo parava de equacionar varios cenarios … Qual seria o segredo de Lucía que a levara a mudar a sua atitude ?!

    Ao longe decote algumas mulheres … seria feia?! Seria isso?! A ele näo lhe importaria … já conhecia o suficiente dela para saber que era uma boa pessoa … 10.50h … as mäos começavam-lhe a suar … desde o fundo da rua subia um grupo de pessoas, entre elas uma rapariga, com uma bengala branca, com uma esfera na ponta … com ela vinha um grupo de mulheres … de varias idades … deu-se conta que a moça cega caminhava em rota de colisäo com a primeira mesa da esplanada … iria chocar … rapidamente levantou-se e chegou junto a ela mesmo a tempo de o evitar.

Cuidado! Permite-me ajudar-te … há uma mesa mesmo frente a ti.

Roque ?!!!

Lucía ?!!!

Sim. Sou eu! — as lentes escuras näo permitiam ver os seus olhos … mas … o sorriso brilhava …

Vem! Estou noutra mesa.

    Sentaram-se e entäo notou que ainda lhe segurava o braço …

Pois já conheces o meu segredo … sou cega … desde que nasci …

És linda … tens o sorriso mais bonito que jamais vi na minha vida.

A serio?!!?

Pensavas que por ser cega me impedirias de apaixonar-me de ti?!

Passou-me pela cabeça … sim …

    Riram-se os dois.

Que tonta és … obrigado por teres vindo …

    As horas passaram sem que se dessem conta.

Olha, Lucía … agora já posso acabar a cançäo.

Ah! Sim?! E como termina?!!!

    Roque Narvaja tirou do bolso o seu bloco de apontamentos e começou a escrever:


            “ Dame uma cita, vamos ao parque,

            Entra en mi vida, sin anunciarte.

            Abre la puerta … cierra los ojos …

            Vamos a vernos … poquito a poco …

            Dáme tus manos, siente las mías,

            Como dos ciegos … “santa” Lucía … “


— Adoro. Que bem que escreves …

Obrigado … gosto muito de estar contigo …

Sabes uma coisa?!! Vamos  fazê-lo?!

O quê? De que falas?

O que diz a tua cançäo … vamos ao parque … dá-me as tuas mäos … deixa que te mostre como eu o vejo …

Ok. Vamos. Apanhamos o Metro e vamos até á PLAZA DE ESPAÑA.

    Chamou o empregado, pagou e sairam de braços entrelaçados.

    Alí continuava uma grande historia de amor … a de ROQUE e LUCÍA.


                            Fim (o quase)


    A cançäo “ SANTA LUCÍA “ é conhecida pela interpretaçäo de MIGUEL RIOS.

    Na verdade, é um original escrito por ROQUE NARVAJA, um musico argentino, fugido do regime dictatorial do seu país.

    Um dia, o productor chileno CARLOS NEREA apresentou os dois musicos, que imediatamente fizeram amizade.

    Decidiram que Miguel interpretaria cançöes de Roque nos seus próximos trabalhos.

    Entre as muitas composiçöes estava SANTA LUCÍA.

    Roqueiro por natureza, Miguel, inicialmente, näo se entuisiasmou essa balada … até que depois de a gravar, encontrou um grupo de pessoas, trabalhadores do estudio de gravaçäo, do outro lado dos vidros, emocionados … a aplaudir …

    Miguel nunca perguntou pela historia da cançäo … Roque jamais a contou …

    Ao longo dos anos, inventaram-se muitas possibilidades … desde uma homenagem a una “ SANTA LUCIA”, até ao contacto telefónico entre dois homens … mas esta … esta é a minha teoria pessoal … ficçäo ?! … ou … realidade?!!



                        fim (agora sim)


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O FIM ... OU ... O PRINCÍPIO ?! - jorge peres - 81

                                  O FIM … OU O PRINCÍPIO …      Fechei um dos olhos … com o outro tentei alinhar a pistola c...