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A ESTUPIDEZ DE UMA GUERRA
--- Pelotão ! Sentido !
O grupo de 20 homens formavam perfilados diante do homem graduado …
--- Soldados … Iván Rodríguez … Carlo Leandro … Josemar Corredano … saiam da formatura e ponham-se à minha frente …
Os três homens saíram correndo e ficaram numa completa vertical diante do capitão …
--- Os outros ireis para os vossos postos de ocupação … Pelotão ! Destrozar !
Todos abandonaram a parada, menos os três que tinham sido chamados …
--- Você, venham comigo …
Seguiram-no por entre os edifícios do aquartelamento …
--- Capitão Santristán !
--- Diga-me, soldado …
--- Donde nos leva ?!
--- Não seja tão curioso, soldado … A seu tempo saberá …
Entraram no edifício de comando, num salão onde já se encontravam outros dois militares …
O capitão apresentou-os …
--- Estes são … o soldado Eliseu Ramirez e o sargento Rolando Cortez …
Poucos minutos depois entrou outro homem … com mais idade … e mais medalhas … o capitão reagiu de imediato …
--- Atenção ! Sentido !Entra o general Juan del Castillo …
O silêncio caiu de golpe … só interrompido pelo som das pesadas botas do militar …
--- Tranquilos … à vontade … temos que falar de coisas muito sérias … venham … sentemo-nos nessa mesa … aí falaremos melhor …
Carlo olhou à sua volta … fosse o que fosse … parecia ser importante …
O general sentou-se na frente de algumas pastas …
--- Senhores ! Tenho aqui os vossos expedientes … necessito-vos … o país os necessita … Capitão … ponha-os ao corrente da situação presente …
O capitão levantou-se …
--- Com licença, general … Companheiros … sei que sentem muita honra e orgulho, como eu, de pertencer ao exército de Estraduz … somos o baluarte da existência tranquila e independente do nosso país … --- bebeu um pouco de água e continuou --- Como sabem, a actual situação política é tudo menos tranquila … há assassinatos todos os días … ministros que não chegam nem a aquecer o lugar … não há estabilidade … isto está insustentável … por isso, e de uma maneira mais que compreensível, alguns companheiros, amantes da nossa pátria, decidiram revoltar-se … organizaram um golpe estado …
Carlo era, sem dúvida, o mais participativo … levantou a mão …
--- Diga, soldado !
--- Somente uma pergunta … o governo que está neste momento, não saiu das votações das últimas eleições ?!!
General e capitão olharam-se … o primeiro respondeu …
--- Tecnicamente … sim … ainda que se possa pôr em causa a legalidade de este acto eleitoral …
O capitão lançou a Carlo um olhar de preocupação … e crítica …
--- Respondeu o general à sua pergunta, soldado ?!
--- Sim, meu capitão ! Totalmente !
O general abriu um mapa.
--- Senhores … a ideia é fazer convergir tropas, de todos os pontos do país, à volta da capital, Carod … --- com o dedo mostrava a grande cidade, situada quase no centro do país …
--- Neste momento, Carod, encontra-se já cercada … mas estamos encontrando mais resistência do que esperávamos … por isso … pensamos utilizar um método diferente …
Os presentes ouviam com atenção … o general depois de uma breve pausa, continuou …
--- Vamos criar um grupo de comandos operacionais, para cumprir algumas tarefas, diminuindo o risco e minimizando ao máximo a perda de vidas inocentes … vocês serão um desses grupos …
Olharam-se entre eles …
--- Posso perguntar algo, meu general ?!
--- Claro que não !!! --- quem respondeu foi o capitão … imediatamente foi cortado pelo homem de maior patente …
--- Capitão Fran de Santristán … estes homens vão arriscar as suas vidas … o mínimo que podemos fazer é ouvi-los … pergunte, soldado … como se chama ?!
--- Sou o soldado Carlo Leandro, meu general … compreendo tudo o que nos disse … mas … porque nós ?!!?
--- Esperava essa pergunta, soldado Carlo … vou-lhe responder com sinceridade … vocês os cinco foram escolhidos porque, de uma maneira ou outra, tiveram contacto directo com a capital … conhecem-na bem … ao menos são as informações que eu tenho aquí nos expedientes … mas gostava de confirmar … … comecemos por si, soldado Carlo … que tipo de ligação tem com Carod ?!
--- Não nasci em Carod, mas toda a minha família vive aí …
O general olhou para o militar que estava sentado ao lado …
--- Eu sou o soldado Josemar Coredano … vivi em Carod até aos meus 16 anos … depois, os meus pais separaram-se … eu e a minha mãe fomos viver para o sul …
--- Seguinte …
--- Eu sou Eliseu Rodrigues, soldado … também não nasci em Carod … mas vivi aí os últimos 10 anos …
--- Eu sou Ivan Rodriguez, soldado … a minha mãe é da capital, e vive aí … visito-a muitas vezes …
--- Eu sou Rolland Cortez, primeiro sargento … antes de entrar na vida militar estudei em Carod …
--- Posso fazer mais uma pergunta geral ?!
--- Claro que sim, soldado Carod … diga-me …
--- Esta convocatória é de carácter obrigatório, não é verdade ?!
O general fez um ar sério …
--- Não, soldado … se não se sente integrado neste grupo … pode retirar-se …
O soldado baixou a cabeça … depois de alguns segundos, falou …
--- Eu fico … podem contar comigo …
--- Pois já está … cavalheiros … partimos esta noite para Carod … amanhã, já aí, vos será comunicada a vossa missão … podem retirar-se …
Levantaram-se ao mesmo tempo, fizeram a continência e saíram … não falaram entre eles …
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Entraram na capital quando começava a sair o sol … permitiram-lhes descansar …
Pelas 18 horas foram chamados a uma reunião … esperava-os o capitão …
--- Senhores … aqui e agora, tomaréis conhecimento do que se espera de vocês …
Todos estavam expectantes …
--- Serão os efectivos da operação Bisturi … sabemos que os defensores do regime estão bem organizados … os nossos serviços de inteligência passaram-nos a informação de um dos seus locais de reunião … está na rua de Alperá, número 27 … todos conheceis essa rua … não é verdade ?!
Todos fizeram, em silêncio, um movimento afirmativo com a cabeça …
--- É necessário ir aí … esta noite … surpreendê-los …
Um momento de pausa e o capitão continuou …
--- Não queremos sobreviventes … compreendem a missão ?! Alguma pergunta ?!
Carlo levantou a mão …
--- Diga … soldado … --- a voz era já mais ríspida …
--- Que acontecerá se algo sai mal ?!
--- Nada pode correr mal …
--- E se nos descobrem ?!!
-- Se o fazeis bem … não vos descobrirão …
--- E se nos capturam ?!!?
--- Soldado ! Já basta ! É uma missão ultra-secreta … se os capturam, não poderemos fazer nada desde aqui …
--- Ou seja … que …
--- Estão por vossa conta …
O tom de voz do capitão ia perdendo a sua pouca simpatia natural … no final, de novo, silêncio … pesado …
A noite chegou lenta … o tempo estava espesso …
Finalmente fizeram-nos subir a um camião … a viagem foi rápida …
O capitão aproximou-se …
--- Senhores ! Até aqui podemos chegar … Carod está a cinco quilómetros … muita sorte … Sargento Cortez ?!
--- Si, capitán …
--- Traga-me estes homens de volta … vivos …
--- Deixarei a minha vida nesse objetivo, capitão !
Com uniformes negros … pasa montanhas e capacete tambén negros … cargados com uma metralhadora com silenciador … uma pistola Lugger … uma faca de sobrevivência … um cantil com água … três granadas de mão …
Ainda que fosse um grande conhecedor da cidade, o sargento tinha um mapa … nele estavam sinalizados alguns pontos de controle dos governamentais … mas podia não estar actualizado …
Até as primeiras casas avançaram com alguma rapidez … depois … o cuidado foi redobrado … a velocidade reduziu-se para menos de metade …
Conheciam bem a rua de Aperá … uma das mais comprimidas da capital …
Estavam a uns 200 metros do número 27 … de repente o sargento levantou o punho direito … sabiam o que significava … pararam todos … inclinados … rente ao chão … camuflados com as sombras da já escura noite …
Um veículo militar avançava lento pela rua … passou a poucos metros deles …
Uns minutos depois o graduado fez sinal para avançar …
O número 27 era uma casa que aparentava normalidade … tinha dois andares … construção antiga … porta de madeira escura …
Ivan era o experto em fechaduras … ninguém sabia a que se dedicava antes de entrar na vida militar …
Era bom … em dois minutos ouviu-se um “click” … a porta estava aberta …
O sargento foi o primeiro a entrar …
Ouviam-se vozes … uma nesga de luz escapava-se por baixo da porta da sala …
--- Preparem-se … tentem antecipar-se a qualquer disparo deles … não queremos chamar a atenção …
Num movimento rápido abriu a porta … Ivan, Josemar e Eliseu entraram rápidos e começaram a disparar …
Sentados à volta de uma mesa foram caindo … um a um …
Não houve tentativas de defesa …
Em segundos havia 5 corpos no chão … um deles era o de uma mulher …
Esperavam encontrar mapas … papéis … planos … … mas só havia pratos e copos … estavam a jantar …
--- Carlo !
--- Sim, sargento !
--- Confirme se há alguém no andar de cima !
--- Sim, sargento !
Subiu as escadas sem fazer ruído …
Encontrou três quartos … todos estavam vazios !
Preparava-se para abandonar o último … algo chamou a sua atenção …
A colcha da cama … juraria que a tinha visto mexer …
Preparou a metralhadora e, suavemente, aproximou-se rapidamente levantou uma ponta …
O que viu cortou-lhe a respiração …
Apareceu a cabeça de uma menina … não mais de cinco anos … olhos de um azul esverdeado … mas … inundados de pânico …
Carlo afastou a arma … tentou sorrir-lhe …
--- Carlo ! Tudo bem aí em cima ?!
--- Sim, sargento … tudo vazio !!
Voltou a olhar a menina … levou o dedo indicador aos lábios … falou-lhe em voz baixa …
--- Shhiuuu ! Não saias daí !
Olhou à sua volta … viu, numa pequena mesa um saco de pipocas … levou-a para baixo …
Os outros olharam para ele …
--- Tomem ! Estão boas …
--- Soldados ! Isto ainda não está terminado … temos que regressar …
Tal como a ida, a volta foi cautelosa … em silêncio …
Carlo revia aqueles olhos verdes … muito abertos … alguma coisa, em tudo aquilo não encaixava …
Chegaram ao ponto de partida quase três horas depois …
O capitão Santristán estava à espera deles … com ele um general que não conheciam …
--- Sargento Roland Cortez … informe da situação …
--- Operação Bisturi concluída com êxito total, meu capitão … cinco inimigos abatidos … o número 27 da rua de Alperá está limpo … …
--- Muito bem, sargento …
--- Capitán !
--- Sim, meu general !
--- Ouvi dizer … número 27 da rua de Alperá ?
--- Assim é, meu general … o objetivo da Operação Bisturi !
O mais graduado olhou para ele fixamente … depois abriu uma das pastas que tinha em cima da mesa … mostrou-lhe …
O capitão ficou branco …
Todos compreenderam que se passava algo …
Carlo furou todo o protocolo militar … avançou e antes que os graduados pudessem reagir, pegou na pasta … … depois deixou-a cair em cima da mesa … deu meia volta e, sem pedir autorização, saiu da enorme tenda de comando …
Não podia conter as lágrimas … gotas de raiva … de desespero …
Naquela pasta estavam os planos da “Operação Bisturi” … e o objetivo … “ Rua de Alperá … número 29 “ …
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Carlo olhava pela janela daquele 34º andar, bem no centro de Carod …
Pensava muito na noite daquela fatídica operação militar … já tinham passado quase 20 anos …
Agora, ele era um executivo de uma importante empresa de informática …
Abandonara a vida militar logo depois do golpe … esse golpe em que havia participado “involuntariamente” … a situação apanhou-o em pleno serviço militar obrigatório … não tivera outra opcção …
Mas depois de tudo terminado … e de uma promoção, que recusou … sabia que os seus dias de uniforme terminariam quando se esgotassem os 24 meses de SMO …
Não voltou a encontrar-se com nenhum dos seus companheiros de missão …
O som do intercomunicador despertou-o dos seus pensamentos …
--- Senhor Leandro ?! --- era a voz da sua secretária --- sim, Luisa, diga-me …
--- Está na recepção uma mulher que diz que quer falar com o senhor !
--- E quem é ?! Como se chama ?!!
--- Almudena López .
Carlo pensou um pouco … mas aquele nome não lhe dizia nada …
--- Que suba !
Pouco depois alguém bateu, suavemente, com os dedos na porta do seu escritório …
--- Entre !
Entrou uma mulher loira … bem parecida … mas desconhecida …
--- Carlo Leandro ?!
Levantou-se educadamente …
--- Conhecemo-nos ?!
--- Sim, Carlo …
Olhou para ela mais atentamente … bonita … atractiva … e os olhos … os olhos … ficou sem palavras … uns olhos azuis esverdeados … sim … ele já tinha visto aqueles olhos … …
--- Tu … es !! …
--- Sim … sou a menina a quem salvaste a vida, naquela noite …
Carlo emocionou-se de novo ao voltar a reviver a operação Bisturi … as lágrimas saltaram … como há vinte anos atrás …
Aproximou-se dela …
--- Perdoa-me …
--- Salvaste-me a vida … estou-te muito agradecida …
--- Eu fiz parte do grupo que matou os teus pais e irmãos …
Agora foram os olhos dela que se inundaram …
--- Posso fazer-te uma pergunta, Carlo ?!
--- Todas, Almudena … assim te chamas, não é verdade ?!
Sim. Tu disparaste contra a minha família ?
--- Não ! Nessa noite não disparei um único tiro …
--- Era o que eu imaginava … foi difícil encontrar-te … levo quatro anos tentando chegar até a ti …
--- Deixei o exército assim o que me foi possível … aquela noite persegue-me … até hoje … vejo os teus olhos todos os dias … antes de dormir …
Ficaram uns momentos em silêncio … ele foi o primeiro a falar …
--- Posso dar-te um abraço ?!!
--- Claro que sim !
Fundiram-se num abraço apertado … tentando controlar a emoção … era doloroso reviver tudo aquilo … a estupidez de uma guerra … de qualquer guerra …
fim ( quase )
Enquanto investigava para o livro, “ ECOS … EN EL SILENCIO … “ chegaram-me muitas histórias … esta em concreto …
Foi-me contada, tendo como cenário, Madrid, e um determinado número da “ Calle de Alcalá “ …
Segundo o que alguém me contou, este episódio aconteceu na primeira tentativa de Francisco Franco em tomar a capital, em 1936 …
A história sensibilizou-me enormemente … mas não a consegui contrastar com outras fontes … não pude confirmar a sua veracidade …
No entanto não quis deixar de contar-vos esta terrível história … passada hipoteticamente num país de ficção … em cidades e ruas inexistentes …
No fundo, o menos importante é o local … o relato espelha, muito concrectamente, os horrores de qualquer guerra …
fim ( agora sim )
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