martes, 31 de enero de 2023

FELIZ ANO NOVO ... FILHO ... - jorge peres

 


.                      FELIZ ANO NOVO … FILHO …


    Aquele fim de tarde estava frio … um gelo de dezembro que convidava a todos a estar em casa … mas … nem todos podiam fazer isso … uns viajavam … outros aproveitavam o momento para comprar presentes … o Natal estava a 24 horas de distancia …

    Agostinho tinha uma profissäo inusual … näo tinha horarios … era arriscada … … era ladräo …

    Tinham-lhe dito que a moradora daquela vivenda unifamiliar da Avenida Nuno Alvares, quase junto à estaçäo da CP, näo estava …

    Era propriedade de una mulher, já de idade avançada …

    Era sua tradiçäo viajar até Lisboa passar as festividades com os filhos …

    Agostinho sentia-se tranquilo … seria uma operaçäo facil …

    A noite banhava já toda a cidade de Castelo Branco.

    Conhecedor do seu oficio, ele sabia que aqueles edificios tinham sistemas de segurança um tanto sofisticados … no entanto … tinham um ponto sensivel … a parte das traseiras … as portas de acesso do saläo para o jardim … eram as mais vulneraveis … para aí se dirigiu …

    Uma ventosa … um espigäo com ponta de diamante … um movimento circular e, rapidamente, conseguiu um buraco no vidro … o suficiente para meter o braço e girar o fecho da porta … foi tudo uma questäo de segundos …

    Tirou a lanterna que levava na mochila e uma bolsa grande …

    O saläo apresentava uns moveis e estantes de design antígo … pelo menos estilo seculo XIX … alguns objectos metálicos … poderiam ser de prata …

    Agostinho começou a encher o saco … näo havia muitas coisas que chamassem a sua atençäo, na verdade … procuraria noutras divisöes da casa …

    Na cozinha tambem näo haviam objectos de valor …

    Começou a pensar que o roubo daquela noite näo ficaria na sua já longa memoria profissional …

    Em pouco tempo chegaria à conclusäo de como estava enganado.

Quem é você ?!!! E o que faz na minha casa ?!!!!

    O som daquela voz estranhamente tranquila, na semi escuridäo, paralizou momentaneamente Agostinho …

    Havía gente em casa … as sua fontes estavam erradas …

    Apagou a lanterna ao mesmo tempo que se acendeu a luz da cozinha …

    A meio da porta estava uma mulher … entre os 80 e os 90 … näo tinha qualquer arma nas mäos … olhava-o fixamente … mas transmitia uma incrivel tranquilidade …

Boas noites … peço desculpa … pensava que näo estava ninguém …

E por isso entrou numa casa que näo é a sua?!! E, pelo que vejo … apropriou-se de artigos que tambem näo säo seus …

    Agostinho, pela primeira vez sentiu vergonha …

    A mulher continuava a olhar para ele …

O que se passa?! Perdeu a lingua ?!!

Para ser honesto sinto-me envergonhado …

Envergonhado ?!!! Você ?!!? Ninguem o obrigou ou convidou a entrar …

    A cara dele estava ruborizada …

    Sou viuva … vivo sozinha … isto parece-lhe justo ?!?

Peço desculpa …

Pede desculpa ?!? E já está ?!!? É tudo ?!!? Eu podia chamar a policia agora mesmo … tenho um botäo SOS …

Bem sei, senhora … peço-lhe que näo o faça … disseram-me que a senhora passaria o Natal na capital …

    A cara da mulher criou sombras …

Sim … era suposto … mas discuti com um dos meus filhos e ao outro, que é médico, tocou-lhe o turno de trabalho das fiestas … resta-me estar sozinha … senhor … … como se chama ?!

Agostinho.

Muito bem, Agostinho … eu sou Eugenia Preto … sabe o que é vivier sozinho ?!!?

Estaria encantado de tê-la conhecido noutra situaçäo, dona Eugenia … e sim … sei o que é viver sozinho …

Näo é casado, Agostinho ?!? … näo tem filhos ?!!?

Näo, senhora … vivo só … desde a minha ultima companheira já passaram uns dez anos …

E porque roubas as casas dos outros ? Queres que te prendam ?!

Na verdade é que uma vez estive quase a ser preso … mas nunca chegaram a apanhar-me …

Mas arriscas-te … és muito jovem … quantos anos tens ?!? 25 ?!? 30 ?!?

38 !

Es da idade do meu filho mais novo … olho-te nos olhos … e vejo um fundo bom …

Obrigado Dona Eugenia.

Tens onde passar a noite de Natal?

Em minha casa …

Sozinho ?

Sim …

    A mulher parou um pouco olhando-o …

Queres passar a noite de amanhä aquí comigo ?!

A senhora poderia perdoar-me ?!!?

Bem !! Na condiçäo de devolver tudo o que tens nesse saco aos seus lugares … e … que me prometas que, ao menos na minha casa, näo voltarás a roubar …

Aceito senhora … muitissimo obrigado … olhe … digo-lhe como se diz na minha terra … Bem haja …

Entäo espero por ti amanhä à tarde ?

Conte comigo, dona Eugenia …

    Meia hora depois tudo tinha voltado ao seu sitio …

Tapei o buraco do vidro com um pouco de plástico … día 26 mudarei todo o vidro …

Ok. Muito bem.

    Eugenia imaginava que näo voltaria a ver aquele rapaz … mas sentia-se bem consigo mesma … de que lhe serviria ter chamado as autoridades e vê-lo sair da sua casa algemado ?!

    Tudo o que passou a ajudou a esquecer, ainda que por momentos, a sua dor e a sua tristeza … mas, ao voltar o silencio … a solidäo, de novo, pesava …


                                ----------//--------


    Pelas 06 horas da tarde do dia seguinte soou a campainha da porta de entrada.

    Ao abrir surpreendeu-se … na sua frente tinha Agostinho …

    Parecia outro … muito bem vestido … na mäo trazia uma bolsa …

Agostinho! Sinceramente näo acreditava que viesses …

Um acordo é um acordo, dona Eugenia.

Isso já está esquecido … rapaz … que näo te sintas na obrigaçäo de passar a noite de Natal com uma velha …

Gosto da ideia … a senhora faz-me lembrar a minha falecida mäe …

Entäo entra, homem … vejo que trazes uma bolsa … assaltaste outra casa antes de vir para aquí ?!!

Näo, senhora … juro que näo …

    Eugenia sorriu-lhe …

Vem para a sala … acendi a lareira.

    Agostinho foi direito à mesa e começou a tirar coisas da misteriosa bolsa negra que trazia … um bolo rei … duas caixas de chocolates … e, um jogo de luzes para enfeitar a arvore de Natal que tinha visto num canto escuro da sala …

    A mulher olhava-o emocionada …

Muito obrigada, Agostinho … em boa verdade és um poço de surpresas …

    Em pouco tempo estavam a comer o bacalhau com couves, tradicional naquela data.

    Agostinho falou-lhe da sua vida … Eugenia contou-lhe a historia da desavença com um dos seus filhos …

    Compartiram sorrisos … e lágrimas …

Dona Eugenia … permite-me uma sugestäo ?!

Claro que sim, Agostinho … diz tudo o que queiras …

Ainda está a tempo de salvar o que falta desta noite …

Näo compreendo … fala claro …

Porque näo liga para o seu filho e lhe deseja um Feliz Natal ?!

Sabes ?! Penso que a relaçäo com o meu filho já näo tem soluçäo …

Tudo tem soluçäo, Dona Eugenia …

Isto … parece-me que näo …

Olhe … pense um pouco … ontem eu era um miseravel ladräo qu entrou em sua casa para roubar … … hoje sou um convidado seu e estou sentado à sua mesa … quando a senhora conseguiu este milagre … de certeza que consegue outros …

    Eugenia uma vez mais o olhou em silencio … começava a sentir que, aquela pessoa que conhecera em täo estranha situaçäo, estava-se transformando na voz da sua consciencia …

    Com um movimento decidido agarrou o telemovel e marcou o numero …

Olá … é só para desejar-te um Bom Natal … e um feliz Ano Novo, filho …


                                        fim


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lunes, 23 de enero de 2023

ANA ... A SERPENTE ... - jorge peres

 


                                ANA … a serpente …


    Näo parava de pensar nela … era diferente … gira … com um bonito corpo, com os seus 30 anos ainda näo cumpridos …

    Nada sabia dela, nem da sua vida … somente que se chamava Ana … que vivia inexplicavelmente sozinha …

    Fazia bolos em casa, muito bons, que depois vendia na Pastelaria Colmeia, no centro da cidade.

    A primeira vez que a viu … ficou muito nervoso … lembrava-se bem … foi no Centro Comercial Santiago … pequeno … escuro … tinha ido ao café do fundo e, ao entrar viu-a de imediato … sentada … só …

    Logo gostou dela … cruzaram olhares … mas näo conseguiu reunir coragem para lhe falar …

    Quando ela saiu perguntou ao rapaz do bar …

Quem é ?!

---- É Ana … a serpente … cuidado ! … näo te convém …

É só curiosidade.

    O barmen sorriu …

    Horas mais tarde encontraram-se no supermercado Pingo Doce … os dois chegaram ao mesmo tempo à fila da caixa …

    Com cortesia imobilizou o seu carro de compras … permitiu que ela fosse na sua frente …

Muito obrigada … é todo um cavalheiro …

Por favor … é um prazer …

    Enquanto esperavam ele decidiu iniciar conversa …

Desculpa … sou Francisco …

Um prazer, Francisco … eu sou Ana.

Vi-te esta manhä no café …

Sim. Eu tambem te vi.

    Do supermercado sairam os dois como velhos amigos … combinaram tomar um café … depois do almoço …

    E ali estava Francisco, numa das esplanadas das Docas … esperando que chegasse …

Olá.

Francisco levantou-se … näo sabia muito bem como cumprimenta-la … ela solucionou a sua duvida … tomou a iniciativa e deu-lhe dois beijos, um por cada face …

    Falaram sem dar-se conta do tempo.

Diz-me, Francisco … estás seguro que queres que te vejam comigo em público ?!

Gosto da tua companhia … que tem de mal ?!

Näo te avisaram sobre mim ?!

Náo muito … ah! … disseram-me que tens um apelido curioso … “a serpente” …

E disseram-te porque tenho esse apelido ?!

Näo! E na verdade para mim é secundário …

    Ana manteve-se uns momentos a olhar para ele em silêncio ...

Já te deste conta que agora mesmo toda a gente olha para nós ?!

    Francisco olhou dissimuladamente à sua volta … efectivamente as pessoas olhavam e falavam em surdina … e … o mais interessante … a esplanada estava cheia, com pessoas de pé esperando lugar … mas … as mesas imediatamente mais perto da sua estavam vazias …

O que se passa com esta gente ?!?!

Têm medo.

De qué ?!?!

De mim …

Náo compreendo ! … como pode alguém ter medo de ti ?!?!

Por alguma razäo me chamam Ana “a serpente” …

E porquê esse nome ?!?

    Ana duvidou se devia seguir com aquela conversa … Francisco era um bom rapaz … sentia algo por ele … mas näo sabia se, abrindo o jogo, ele näo sairia correndo … mas decidiu continuar …

Diz-me uma coisa, Francisco. Que sabes tu de bruxas ?

    A pergunta impactou no seu estomago como um murro …

Bruxas ?!?! Queres dizer, videntes ?!?!

Näo! Näo é o mesmo … as videntes têm o dom de ler o futuro … as bruxas podem mudar o presente …

A ideia que tenho sobre bruxas … é que säo mulheres que viajam por aí sentadoas em vassouras …

    Ana soltou uma pequena gargalhada …

Viste o filme “Akelarre”, näo é verdade ?!

Sim. — Francisco tambem sorria …

Hoje em dia a realidade das bruxas é diferente.

Vejo que sabes do tema.

Eu sou uma bruxa, Francisco.

O qué ?!?!

Parece que todos aquí o sabem … menos tu …

Explica-te …

Existem dois tipos de bruxas … as brancas e as negras … as negras säo as mais conhecidas … recebem dinheiro por feitiços … conjuras … sempre a favor de umas e em contra de outras pessoas … as brancas säo o inverso … usam os seus poderes para fazer coisas positivas … nunca podem prejudicar ninguém …

Estou seguro que, a ser uma bruxa, serás uma branca …

Assim é, Francisco.

E porque é que as pessoas têm medo de ti, sendo tu uma bruxa branca ?!

Porque näo sabem a diferença … para a grande maioria, bruxas säo bruxas e pronto …

Näo consigo imaginar-te a fazer mal a alguem …

Obrigada … és um querido …

E o apelido de “serpente” … de onde vem ?!!!?

Vem da minha mäe … a ela tambem lhe chamavam assim … um dia conto-te … tudo a seu tempo … agora tenho que ir …

Tenho o carro estacionado aqui perto … queres que te leve a casa ?

Näo será muito incomodo para ti ?!

Claro que näo !

Entäo aceito … sempre me custa subir as ruas do castelo a pé.

    Ao sair da esplanada fez-se um profundo silêncio … depois … enquanto se iam afastando, voltou o som das vozes.

    Francisco parou à porta da casa que lhe indicou Ana.

Obrigada, Francisco … voltaremos a ver-nos ?!

É o que estava a pensar … amanhä é sábado e montam uma Feira Medieval aqui perto, no recinto interior da muralha do castelo … apetece-te que a visitemos juntos ?!

Vejo que és corajoso !!!

Nahhh! Sou apenas um pobre mortal … inocente … puro …

Sim! Claro! Nisso näo acreditas nem tu mesmo … está bem … encontramo-nos aqui pelas quatro da tarde ?! … e näo tragas carro ou só conseguirás estacionamento na Colina.

    Francisco ficou a ver como ela entrava naquela casa … com o numero 13 na porta … muito adequado …

    Essa noite, Francisco, na sua casa, sentado em frente ao seu portátil, procurou páginas de Google sobre bruxas …

    Aprendeu muitas coisas … que as vassouras näo voavam … nunca tinham voado … nos akelarres, as tipicas reuniöes nocturnas de bruxas negras, no campo, à volta de uma fogueira, era necessário entrar em transe para chamar os “espiritos malignos” … algumas mulheres descobriram que se misturassem algumas ervas alucinogénicas e fizessem um chá com elas conseguiriam esse transe …

    No entanto a mistura saia täo forte que quem bebia morria por overdose … entäo … depois de algumas experiências, chegaram à conclusäo que com muito menos quantidade se conseguissem ingerir por via vaginal conseguiriam o efeito desejado … pegaram em vassouras … untaram o cabo de madeira com aquelas infusöes e sentavam-se neles como quem monta um cavalo … o forte efeito dava-lhes a sensaçäo de que estavam voando … e daí surgiu a lenda …

    Francisco gostou de aprender tudo aquilo … mas näo encontrou a explicaçäo que pretendia … donde vinha o apelido de “a serpente” …

    No dia seguinte, subiu a rua de Santa Maria do Castelo a pé, como lhe tinha aconselhado Ana.

    Encontrou-a à janela do segundo andar.

Olá, Francisco. desço agora mesmo.

    Estava ainda mais bonita que no dia anterior …

    Ao chegarem à Feira Medieval encontraram um panorama inesperado … era como viajar aos seculos XIII ou XIV … muito interessante …

Aprendeste muito esta noite ?!

Como ?!?!

As pesquisas que fizeste por internet … deram-te o que procuravas ?

Mas … !!! … Como o sabes ?!?!

Sou um bruxa … já esqueceste ?!

    Meninos pequenos jogavam na parte mais alta da muralha … usavam pequenas tábuas de madeira imitando as espadas …

Olha, Francisco. Ves aquele rapazito com a tshirt verde ?!

Sim. Olha que contente … como jogam …

Em menos de 10 minutos vai precisar da nossa ajuda.

A serio ?! …

Sim. Vamo-os aproximando dele.

    Agarrou-lhe a mäo e arrastou-o pela escada de pedra …

    Francisco deixou-se levar … parecia estar tudo normal … tudo muito tranquilo …

Socorro ! — era a voz desesperada de um miudo.

    Varias pessoas correram na sua direcçäo … Francisco era quem estava mais perto … esqueceu Ana …

Que se passa ?!

Carlos … caiu … estavamos a brincar e caiu … — apontava para o outro lado da muralha.

    Francisco apoiou-se numa das grandes pedras e olhou na direcçäo apontada.

    O pequeno da tshirt verde estava de boca para baixo … um pequeno movimento e sofreria uma queda de pelo menos 30 metros …

    O seu pé direito estava preso no que parecia ser um arbusto …

    Francisco desceu, utilizando os pequenos espaços entre as pedras e apoiado pelos ramos de uma árvore próxima … assim conseguiu chegar ao pequeno que o olhava com os olhos abertos de pânico …

Tranquilo, Carlos … estou contigo … agarra-te a mim …

    Entäo viu que o que segurava o pé do miudo näo era um arbusto … era algo redondo … de um amarelo torrado … e … mexia-se …

    Já tinha o rapaz bem agarrado quando apareceu a cabeça de uma serpente … aproximou-se da sua cara olhando-o nos olhos …

Leva-o para cima …

    Era a voz de Ana … uma voz carregada … cansada …

    Francisco fez subir Carlos … desde a muralha estavam já os pais dele que ajudaram no ultimo tramo … depois subiu Francisco.

Muito obrigado, senhor … que Deus lhe pague …

    Voltou a olhar para baixo a tempo de ver como a serpente se dirigia ao Miradouro de Säo Gens …

    Francisco desceu correndo as muitas escadas que o levavam até lá.

    Aí encontrou Ana, sentada num dos bancos de pedra.

Ana! Estás bem ?!?

    Ela esforçou um sorriso … estava exausta … a roupa suja de terra …

Vem, querida … levo-te a minha casa … eu cuidarei de ti.

    Ana olhou-o.

Pensei que te assustarias … que näo voltaria a ver-te …

Pois enganas-te-te … agora tenho ainda mais motivos para querer conhecer-te melhor.

    Tirou o seu casaco e colocou-o sobre os ombros de Ana … abraçou-a …

    Conhecia o Miradouro … sabia que tinha uma outra saida, mais abaixo … assim evitaria a multidäo da Feira.

    Ela encostou a cabeça no seu ombro … olharam-se com ternura …

    Francisco beijou-lhe, suavemente, os labios …

    Para ele seria o segredo mais bem guardado … o de … Ana … a serpente …


                            Fim ( ou quase )


    Segundo os relatos mais antigos parecem realmente existirem dois tipos de bruxas … a historia da lenda das mulheres em vassouras voadoras tem algumas teorias explicativas … mas a que se menciona neste relato é a que mais se aceita, hoje em dia … em todo o caso continua a haver gente que näo acredita em bruxas … mas que as há … !!! …


                    Fim ( agora sim )


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miércoles, 18 de enero de 2023

UMA FESTA DE ANIVERSARIO - jorge peres

 


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                        FESTA DE ANIVERSARIO


    Sentada na sua janela, com as pernas para fora do 14º andar do predio onde vivia, olhava a pouca gente que àquela hora passava na Avenida Afonso de Paiva.

    Tania pensava em tudo … e em nada …

    Sim … era estranha … na universidade chamavam-na “a gótica” … gostava da cor negra … roupa negra … batom de labios negro … negro o contorno de olhos … as unhas …

    Ela passava por cima das criticas … vivia a vida à sua maneira …

    Na sua casa poucas pessoas entravam … e, principalmente … poucas repetiam …

    Da decoraçäo encargara-se ela mesma … ela a tinha desenhado … inventado …

    Pensou na sua ultima relaçäo sentimental … Rodrigo …

    Saíam de noite e passavam bons momentos … ele … fogoso … embalava-se sempre … no seu carro as coisas acabavam por subir de tom … e de temperatura … mas era sempre ela quem acabava por gelar o ambiente … tinha os seus motivos …

    Por respeito ele sempre aceitava.

    Uma sexta feira, a noitada prolongou-se um pouco mais do que o costume …

    Já à porta do seu predio ele perguntou-lhe:

Que se passa contigo ?! Sei que gostas de estar comigo … isso sente-se … e tu a mim encantas-me … mas es sempre tu quem dá um passo atrás …

    Ela olhou-o profundamente …

Ok. Pode ser que tenhas razäo … Vem! Sobe até à minha casa.

    Rodrigo rapidamente apagou o motor do carro … olhou-a com um olhar emocionado …

    Ao entrar ficou surpreendido … parado … olhando a sala … tal como ela … abundavam as cores escuras …

    Continuou pela casa em silencio …

    Tania agarrou a mäo dele e levou-o até ao quarto …

    Parou à porta … a olhar para a cama …

    Ela sentiu como a respiraçäo dele aumentava de ritmo … viu como a sua cara começava a ficar com uns tons avermelhados …

Desculpa … näo posso … näo posso !!!

    Deu meia volta e saiu correndo pela porta …

    Tania ficou sentada na cama … no fundo compreendia-o … era normal que toda a gente tivesse em cima da cama um peluche … mas ela era tudo menos normal …

    Olhou para a grande caveira que assustara Rodrigo e segurou-a entre as mäos …

Companheira … !!! … continuamos sós …


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    Os días iam passando … Rodrigo näo voltou a aparecer … nem a contactar …

    Mas Tania tinha outras preocupaçöes … uma principalmente … o seu aniversario …

    Aproximava-se a data em que iria cumprir 20 anos … e isso näo acontecia todos os días …

    Gostaria de fazer algo diferente … uma pequena festa … no seu apartamento … com um reduzido número de pessoas … máximo de 10 convidados …

    E isso iria ser a principal dificuldade … a quem convidar ?!?!

    Ela näo era, propriamente, um exemplo de menina sociavel … mas … ao menos 10 pessoas encontraria … talvez …

    Naquela tarde, na esplanada das Tilias, pegou num bloco de apontamentos e começou a escrever nomes … … Ana … a sua companheira de universidade … a pessoa que estava mais perto de poder considerar “Amiga” … … Silvia … com quem compartilhou o ultimo trabalho de curso … … Antonio … noutros tempos chegaram a sair … umas noites … näo aconteceu nada … … Silvio … dava-se conta, desde o outro lado da sala de aulas, dos olhares que lhe lançava … sentia sempre como a despia com os olhos … mas nesse tempo ela saia com Rodrigo … agora seria um bom momento de lhe permitir uma aproximaçäo … … Sandra … a sua prima … ainda que vivesse tambem em Castelo Branco já tinham passado meses desde o ultimo contacto … mandaria um convite para ela … … Hortense … uma das suas professoras … olhava-a sempre com muita intensidade … falava muito bem com ela … Tania sabia que era lesbica … mas as tendencia sexuais de cada um jamais foram, para ela, motivo de selecçäo …

    A lista ia tomando forma … pouco a pouco …


                                    -------//-------


    Finalmente chegou o grande dia … 13 de setembro … o seu dia … sorriu quando olhou para o calendario do seu telemovel … sexta feira … sexta 13 … que curioso …

    Já tinha assinado o pedido da empresa de catering … comidas e bebidas … estava tudo já tratado … uns balöes de helio … uns efeites … tudo pronto …

    A ideia da pequena festa deixava-a um pouco nervosa … e ainda por cima acordara naquele dia um pouco debil …

    Um som chamou a sua atençäo …

    Era uma mensagem de Silvia … näo estava disponivel essa noite … uma pessoa a menos … näo lhe importava …

    Essa manhä tinha aulas e por isso já estava a caminho em direcçäo a ESALD.

Tania ?!?

    Olhou na direcçäo da voz … era Antonio … outro dos convidados …

Olá, Antonio.

Tania … tenho muita pena … näo vou poder ir esta noite … nem imaginas o que me aconteceu …

Tranquilo … näo há problema … náo tensque me dar explicaçöes, Antonio …

    Sem lhe dar tempo a responder virou-lhe as costas e seguiu na direcçäo do corredor da sua sala de aula.


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    A tarde passou rapidamente … ninguem, iria ao seu aniversario … tinha essa sensaçäo … arrependia-se de o ter organizado … tinha que assumir aquele fracasso … aceitar que caia mal a toda a gente …

    Mas … que podia fazer ?! Ela era como era … näo podia mostrar-se de outra maneira …

    A chegada do catering manteve-a ocupada umas horas … estava tudo preparado … a mesa com toda a comida e bebida … as velas acesas por toda a sala …

    Tinha marcado os convites para as 20h … faltavam 10 minutos …

    Afastou as cortinas da porta de acesso à varanda … a luz de uma linda lua invadiu o saläo … respirou fundo …

    Que tonta se sentia … 20h … decidiu pôr um pouco de musica … Iron Maden … gostava muito … 20.10h … soava The Number of the beast … ela sozinha faria a festa … 20.15h … soou a campainha da porta da rua …

    Tania baixou o som da musica …

    Quem seria ?! …

    Abriu a porta …

Olá Tania!

Silvio ?! Olá … entra …

    Ele esticou o braço … na máo trazia um ramo com 20 rosas vermelhas …

Parabens !!

    O sorriso dele era contagiante …

Muito obrigada, Silvio … Vem … senta-te …

    Sentiu como os olhos dele percorriam o seu corpo, que ela tinha marcado com umas calças justas de licra …

Tens fome ?!

Sim. Claro.

    A conversa, durante o jantar foi muito agradavel … … no final terminaram no sofá … ela bebendo um Bailays … ele um JB com gelo …

Estava muito boa a comida.

Obrigado, Silvio … como imaginas … näo fui eu que cozinhei …

Claro … mas estava boa … e tenho de confessar-te uma coisa …

Diz-me.

Para mim foi muito bom estar a sos contigo … ainda näo tinha tido essa oportunidade … es muito boa companhia …

Obrigada … vou a ficar corada …

Tu ?! Näo acredito.

    Tania sentiu como a mäo dele pousava suavemente sobre o seu joelho … fez-se de distraida …

Há muito tempo que es uma das minhas atençöes, Tania …

Sim. Já me tinha apercebido …

A serio ?!!!?

Os teus olhares intensos e profundos … sim … dei-me conta …

    Colocaram as bebidas na mesa e continuaram a falar … agora de mäos dadas …

    Em poucos minutos estavam-se a beijar …

    As mäos de Silvio começaram a percorrer o corpo dela …

Queres que pare ?!

    Ela olhou-o nos olhos … depois pegou numa das suas mäos e pô-la num dos seus seios …

Näo. Näo quero que pares.

    Ele näo parou … ela sentiu crescer a excitaçäo …

    Com um movimento rapido, abriu as pernas e sentou-se de frente, no colo dele …

    Uma a uma foram-se apagando as velas … agora só a lua iluminava a sala … e o sofá …

    Tania beijou-lhe os olhos … a testa … tomara completamente a iniciativa …

    Ele estava encantado … emocionado …

    Ela passou-lhe a lingua pela orelha direita … baixou um pouco … depois … … näo conseguiu conter-se mais …

    Os seus dentes caninos estavam já sobressaídos e entraram facilmente no pescoço de Silvio … abraçou-o forte evitando que se mexesse … …. bebeu do seu sangue … muito sangue …

    Por fim o corpo dele estava imóvil … os olhos vazios … sem vida …

    Entäo Tania levantou-se e aproximou-se da varanda … olhou para a lua … depois para a sala … e para o corpo inerte de Silvio … limpou alguns vestigios de sangue dos seus labios …

    Cada vez era mais dificil organizar uma festa de aniversario …



                                        FIM

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O FIM ... OU ... O PRINCÍPIO ?! - jorge peres - 81

                                  O FIM … OU O PRINCÍPIO …      Fechei um dos olhos … com o outro tentei alinhar a pistola c...