sábado, 29 de abril de 2023

AMIGAS PARA SEMPRE - 74 - jorge peres






                                AMIGAS PARA SEMPRE


    Alta, para a idade, olhos muito vivos e expressivos … para alguns um pouco delgada … para ela, uma figura física fantástica …

    Esta é Ção … assim é como ela quer que a tratem … Ção …

    No liceu já todos se tinham habituado ao novo nome … o problema era o seu círculo mais próximo …

    Em casa continuavam a chamar-lhe Conchi … era o diminuitivo que desde sempre se aplicava às mulheres chamadas Conceição …

    Ela odiava esse nome curto … por isso, aos 10 anos tomou uma decisão … seria Ção … não “São” … com “s” … se era o compacto do seu nome … pois escolhia as últimas tres letras … e assim seria … e já tinham passado quatro anos disso …

    --- Conceição Dias Hormigo ! …

    Era a sua professora de Literatura, uma mulher à beira da reforma … recusava-se a chamar-lhe Ção … mas respeitava a sua aversão ao deminutivo familiar … assim que sempre usava o seu nome completo …

    --- Sim, professora …

  --- O trabalho fim de ano lectivo vai ser diferente para ti … quero que escrevas uma peça de teatro …

    --- Eu ?!!?

    --- Sim … mas não quero que o faças sozinha … deve ser um trabalho de equipa … escolherás três companheiras para trabalhar contigo …

    Aí estava outro problema … Ção estava habituada a fazer tudo sem ajuda de ninguém … não gostava de se relacionar com outras pessoas …

    Ficou em branco … pensando … trabalhar com alguém ?!!? Que complicado …

    Passou o tempo que faltava de aula dando voltas à cabeça … de momento não via saída …

    Já no caminho para casa alguém a chamou ...

    --- Ção ! Espera !

    Gina, uma das raparigas da sua turma, corria na sua direcção …

    --- Olá, Gina. Diz-me …

    --- Já pensaste com quem fazer a peça de teatro ?!

    --- Sinceramente … não … eu não sou muito de grupos …

    --- Como te compreendo, Ção … eu também não … por isso pensei que talvez podiamos tentar fazer algo … juntas …

    Ção olhou-a … e porque não ?! Gina era uma das miúdas que lhe caía melhor …

    --- Ok ! Mas temos que procurar outra pessoa … a professora disse “ um mínimo de três” …

    --- Difícil … mas há uma rapariga, na última mesa, que me parece de confiança …

    --- Na última mesa ?!!? quem está aí ?!? A nova ?!?

    --- Sim … parece que se chama Ima … raramente fala …

    --- Seria uma hipótese … logo falamos com ela …

    --- Obrigada, Ção … voltaremos a ver-nos depois de almoço …

    --- Ok. Até logo.

    Ção continuou o seu caminho pensando no curiosa que era a vida … Há uns dez minutos o trabalho parecia-lhe uma tarefa quase impossível ... de repente … já tinha uma equipa …

    Essa tarde à saída do liceu, Ção sentou-se na borda do passeio, mesmo à frente da porta, manipulando um chupa chupa … a sua companhia inseparavel …

    --- Olha quem está aqui !! a frikie !!! ...

    Um grupo de rapazes e raparigas sempre tinham algo a dizer quando se cruzavam …

    --- Deixem-me em paz !

    --- O que disseste, Conchafrikie ?!!?

    Ção levantou-se com ar de zangada …

    --- Não ouviram o que vos disse a rapariga ? Deixem-na em paz ! --- era Gina que se tinha aproximado …

    --- E tu, porque defendes esta Concha ?!

    --- O seu nome é Ção … não gostam ?!! Não falem com ela !!!

    --- E isso o diz uma miúda que se chama Gina ?!! … um nome de filme porno ?!!?

    As duas raparigas avançaram para o grupo já com os punhos fechados …

    --- Parem ! Não lhes prestem atenção --- uma outra rapariga pôs-se entre as duas partes --- não reajam … isso é o que eles querem … confusão … zaragata … são finos … não podem nem com as suas próprias vidas !

    --- E tu quem és, esticadinha ?!?

    --- Eu sou Ima … e isto se acabou aqui e agora … Guardem os vossos espiritos ridículos e vão fazer estupidezes para outro sítio !!!

    A voz era firme … o olhar determinante … a posição fisica, estática …

    O grupo começou a dissolver-se … em poucos segundos já não estava ninguém …

    --- Desculpem, miúdas … não posso com estes grupos     pseudoelitistas …

    --- Olá, Ima … eu sou Gina …

    --- Sim, eu sei … e tu és Ção … estamos na mesma turma de literatura …

    --- Curioso … estávamos á tua espera para falar contigo …

    --- Deixai-me adivinhar … tem que ver com a peça de teatro …

    As outras duas olharam-se com ar interrogativo …

    --- Pois sim … era disso te queríamos falar …

    --- Inscrevo-me … adoro o teatro …

    --- Eu não gosto muito … --- Ção dizia-o com ar de pena …

    --- Eu também não estou muito habituada a estes temas …

    --- Tranquilidade, miúdas … vamos a tomar algo e falamos disso ?!

    Não necessitaram andar muito … o café mais próximo estava do outro lado da avenida.

    Durante perto de uma hora falaram um pouco de tudo … das suas vidas … das suas preocupações … nem pareciam três raparigas que, normalmente, não interactuavam com ninguém … mais pareciam amigas de toda a vida …

    --- Temos que falar do trabalho … que vamos fazer ?! --- Gina falava preocupada …

    --- Comecemos por abrir, cada uma, um caderno de anotações … assim vamos apontando as ideias que nos venham à cabeça …

    Ima parecia a mais organizada mentalmente … Ção gostava disso …

    Muito observadora, ela tentava disfarçar quando cruzavam os olhares …

    Ima era muito interessante … tinha uns olhos doces … um corpo de estatura mediana … muito bonito …

    Mas … ali estavam para trabalhar … tomou a iniciativa …

    --- Olhem ! O que acaba de passar aí fora dá-me muita vontade de escrever sobre o tema …

    --- Assédio ! Sim … parece um tema muito interessante … --- Ima parecia gostar da ideia …

    --- Eu também penso que sim … muito boa ideia, Ção … vamos a ver se lhe conseguimos dar um enfoque diferente … --- Gina já tinha vontade de começar …

    As três estavam muito animadas, o que deixaria surpreendidas quem a estivesse a ver … que transformação …

    Ima desenhou um circulo, numa das folhas do seu caderno …

    --- Isto é a obra completa … todo o contorno é o tema … agora há que preencher o círculo com o conteúdo …

    --- Para que seja interessante podemos pôr diferenças sociais --- era um ponto que tocava muito a Gina …

    --- E que tal um pouco de romance ?!! --- Ima olhou intensamente para Ção …

    --- Parece-me um bom recheio … mas … romance no grupo atacante ou no grupo atacado ?!!

    Ção conseguiu olhá-la nos olhos … sentiu como corava … sorriu timidamente …

    Gina deu-se conta e tratou tornar o ambiente mais leve …

    --- E porque não entre elementos do mesmo grupo ?!

    --- Uauu !!! --- Ção despertou --- isso seria o máximo …

    --- Excelente ideia, Gina --- Ima ia escrevendo dentro do círculo desenhado --- então temos um grupo atacante, digamos umas 5 pessoas ? Estais de acordo ?!

    Ção e Gina abanaram a cabeça afirmativamente …

    --- Grupo atacado … três pessoas --- Ção ria-se --- ... nós … !!

    Ima continuava a tomar notas.

    --- Oh. Agora cruzemos um rapaz do grupo com uma rapariga …

    Ção pôs-lhe a mão no braço que escrevia …

    --- Não tem obrigatoriamente que ser rapaz – rapariga …

    Gina olhava para elas divertida …

    --- Claro que não …. vivemos no séc. XXI … estamos en 2023 …

    --- Assim terá ainda mais impacto na audiência …

    --- Desculpem amigas … tenho que deixar-vos --- Gina começava a juntar as suas coisas --- a minha mãe está à minha espera … amanhã já terei um guião da história para juntar às vossas ideias …

    A Ção emocionou-lhe a ideia de ficar a sós com Ima … gostava daquela miúda …

    Ima olhou-a calada … isso era preocupante ...  Ção não sabia que pensar …

    --- Tenho que ir-me, também … --- Ima olhou para o telemóvel --- queres tomar nota do meu whatsaap ?!

    Os olhos de Ção encheram-se de luz …

    --- Claro que sim ! …

    Pagaram e dirigiram-se à porta … antes de abri-la olhou-a de novo … agarrou-lhe a mão …

    Sentiu um turbilhão de felicidade encher-lhe o peito …

    Sairam de mão dada … de cabeça erguida … indiferentes aos comentários da rua …


                                            --------//--------


    Uma semana depois, estavam no bar do Liceu Nuno Álvares … Ima e Ção sentadas juntas … Gina de frente … já todos se tinham habituado áquele trio …

    --- Meninas ! Chegou o grande dia … Daqui a uma meia hora entregamos a nossa obra de teatro à profe …

    --- Certo, Gina … gosto muito do resultado final … --- Ima esgrimia a pasta que continha o trabalho …

    Ção parecia igualmente encantada …

    --- Eu gosto até da apresentação …

    Vamos indo … falta pouco tempo …

    Notava-se o ar de orgulho com que deixaram a pasta na mesa da professora …

    Curiosa esta abriu-a de imediato …

    À sua frente algo que parecia muito interessante …

    Olhou o título: “ O FINAL DE UM ASSÉDIO !” … depois procurou o nome das autoras … encontrou-o na última página … “ ImaGinaÇão “ … amigas para sempre …



                                        fim ( quase )



                                     NOTAS FINAIS :


    No momento em que vos escrevo, a minha filha mais nova tem oito anos … está na idade de fazer preguntas … perguntas interessantes …

    Eu sinto-me encantado porque é a minha oportunidade de falar-lhe de temas que não fazem parte, habitualmente, da nossa base de conversações … “ Porque o céu é azul ?” … “ Porque as árvores perdem as folhas ? “ … “ Porque a Lua não cai do céu ? “

    No outro dia, ao salir da escola, falou-me de um trabalho que trazia para fazer em casa … definir o conceito de IMAGINAÇÃO …

    Então decidi escrever este relato … a união de três amigas … ImaGinaÇão …

    Coisas de cabeça … da minha cabeça ...



                                fim  ( agora sim )





 

 

domingo, 9 de abril de 2023

COISAS DE SANGUE - 73 - jorge peres

 


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                            COISAS DE SANGUE


    O regresso a casa sempre era uma odisseia …

    Gostava muito das aulas no Liceu … mas … quando se aproximava a hora de voltar a casa … apoderava-se dela um medo … quase pânico …

    Essa era a vida de segunda a sexta de Catarina Durães … quase 15 anos … e um olhar cheio de sonhos …

    Estatura média e uma timidez que lhe saía pelos poros da pele … sofria o assédio de alguns dos seus companheiros de aula … metiam-se com ela … ridicularizavam-na em público …

    Mas isso ela ia conseguindo superar e contornar …

    O pior era que à saída eles perseguiam-na até casa … na zona mais reciente da Carapalha …

    Davam-lhe medo aquelas situações que chegavam a transformar-se em ameaças de morte …

    Jorge, o seu amigo de sempre a que ela chamava … o seu irmão de coração … era o único que conhecia essa sua realidade …

    Sempre lhe repetia o mesmo …

    --- Tu revolta-te … defende-te … não fiques calada …

    Mas o medo que sentia naqueles momentos impedia-a de falar … não dizia absolutamente nada …

    Começava o inverno e os dias eram cada vez mais curtos … às 18 ou 19 horas já era noite cerrada

    Aquela tarde de 20 de dezembro iria mudar profundamente toda a sua vida …

    Tinha-se entretido a falar com Jorge …

    Por um lado perdia sempre a noção do tempo quando falava com ele … por outro … tinha-se atrasado intencionalmente com a esperança de que saindo um pouco mais tarde o grupo abusador já se fora …

    Mas enganava-se … estavam à sua espera … e começou o “baile” diário …

    --- Mas vamos a ver, ranhosa … já estavamos fartos de estar à tua espera … onde estavas ?! Eh !! Espera ! Tens que nos ouvir … porquita … espera por nós !

    O dia não lhe correra especialmente bem … o seu poder encaixe estava enfraquecido … à cabeça vieram-lhe os conselhos de Jorge …

    De repente parou … deu meia volta … começou a andar na direcção do grupo …

    --- Que querem ?! São uns pedaços de animais … estou farta de ouvir o mesmo todos os dias … --- Catarina estava furiosa --- que querem ?!! Luta?! Pois hoje vai haver luta --- atirou com tudo o que levava nas mãos --- Vamos cabrões … aquí estou … !!!

    A primeira reacção do grupo, eram cinco, tres raparigas e dois rapazes, foi ficar parado … surpreendidos com a actitude dela …

    Depois começaram a rodeá-la em silêncio …

    Catarina sentiu o primeiro murro nas costas … logo depois outro na cabeça … perdeu o equilíbrio e caiu de joelhos …

    Uma das raparigas deu-lhe um golpe … um pontapé acertou-lhe de novo na cabeça … ainda conseguiu ver como um dos rapazes se aproximava com um tubo que lhe pareceu de metal … sentiu o primeiro golpe … ao segundo já estava inerte no chão … já não se deu conta de como a pisavam nem das outras pancadas por todo o corpo …

    À sua volta começava a aparecer um charco de sangue …

    --- Parem !!! está morta … !!! … que fizemos ?!!?!??

    --- Teve o que merecia …

    --- A ideia era só assusta-la … isto saíu do nosso controle

    Uma das raparigas pegou nos braços de Catarina e arrastou-a até à valeta … depois … todos correram em direcção ao centro da cidade …


                                ----------//----------


    Victor ia avançando lentamente, com a janela do carro aberta, apesar do frio … tentava orientar-se … cheirava-lhe a sangue fresco … e não estava longe …

    O cheiro ia aumentando de intensidade ,,, outra pessoa nem se daria conta … mas ele não era uma pessoa qualquer …

    Todos o conheciam por Victor … o esquisito … mas … poucas pessoas conheciam o seu grande segredo … o habitante daquela casa, também estranha, que se via à direita, mesmo depois da “Casa dos emblemas”, na antiga saída de Castelo Branco, era, na verdade … um vampiro …

    Por isso podia cheirar sangue … não podia evitá-lo …

    Parou o carro e saiu … no chão rapidamente encontrou o sangue de Catarina …

    Tocou-lhe com os dedos e levou-os à boca … sangue adolescente … recente … começava a coagular …

    Via-se que tinham arrastado algo … ou alguem …

    Seguiu os vestígios … encontrou-a …

    Tomou-a em braços … o coração ainda batia … mas    muito suave …

    Meteu-a no carro … o melhor era levá-la para sua casa …

    Alguns minutos mais tarde limpava-lhe as feridas … tinha perdido muito sangue … as feridas da cabeça eram muito profundas … pelo menos tinha umas 3 costelas partidas …

    Depois meteu-a na sua cama e ficou a olhar para ela …

    À memória veio-lhe a figura de Eloisa … há muitos muitos anos, de uma relação com uma humana, nasceu-lhe uma filha … curiosamente não partilhavam todos os cromossomas e ela saiu humana normal …

    Eloisa teria mais ou menos a mesma idade da rapariga que estava agora na sua cama quando lhe foi diagnosticada leucemia … incurável …

    Passou horas olhando para ela vendo-a morrer … sabia que um pequeno mordisco a poderia salvar … mas também era muita responsabilidade … duvidou … pensou muito … ela morreu … prácticamente nos seus braços …

    Jamais se tinha perdoado a si mesmo …

    Agora … passados tantos anos … voltava a acontecer-lhe o mesmo … esta jovem não tinha a minima possibilidade de sobreviver às suas feridas …

    Mas desta vez não permitiria que passasse o mesmo …

    Tomou a decisão …

    Aproximou-se da cama … abriu-lhe os primeiros botões da camisa … à sua frente apareceu-lhe o branco e suave pescoço de Catarina … então espetou os seus caninos e sugou um pouco de sangue …

    Estava feito … agora tinha que esperar …


                                    -------//------


    Quando abriu os olhos, Catarina sentiu-se estranha … não tinha dores …

    Lembrava-se da tareia … ao menos do princípio …

    Também não reconhecia onde estava …

    Sentou-se na cama … tinha vestida uma camisa de homem … uma camisa bem grande …

    Foi passando os olhos pelo quarto … num pequeno sofá um homem olhava para ela … não o conhecia …

    --- Olá. Como te sentes ? --- uma voz grave … tranquila …

    --- Olá … sinto-me bem … esquisita … mas bem …

    --- De certeza que não tens dores ?!

    --- Sim … de certeza … porquê ?! … Deveria ?!

    --- Bem ! … Encontrei-te quase morta … tinhas fractura cranioencefálica … costelas partidas … alguns orgãos internos afectados … alguns vitais, como o fígado e um dos pulmões … e, claro … tinhas perdido muito sangue … o coração começava a falhar-te …

    --- Caramba … Esse diagnóstico parece mortal … vou morrer ?!!?

    --- Não !

    --- E como não ?! Se toda essa lista que disseste é real … porque não tenho dores ?!

    --- Estás curada.

    --- Curada ?! Quem me curou ?!

    --- Eu !

    --- E quem és tu ?!!?

    --- Sou Victor.

    Agora se lembrava … ele era de quem muitos falavam … Victor … o …

    --- O esquisito … sim … sou eu …

    --- Como sabes o que estava a pensar ?

    --- É uma história longa …

    --- Dado que me salvaste … mereço algumas respostas …

    --- Tudo a seu tempo.

    --- Já tinha ouvido falar de ti … há quem diga que …

    --- Que sou um vampiro! … sim … é verdade …

    Catarina soltou uma gargalhada … mas notou que a expressão facial de Victor permaneceu inalterável …

    --- Falas a sério ?!--- Sim !

    --- E … como me salvaste ?!

    --- De certeza que queres saber ?! Já ?!

    Instintivamente ela levou a mão ao pescoço … sentiu dois pequenos orificios já quase fechados …

    Não podia acreditar … há poucas horas nem acreditava em vampiros … agora era um deles ?!!?

    --- Converteste-me em …

    --- Era isso … ou a tua morte … decidi que vivirias …

    --- E porquê ?! Não me conheces … Porque motivo ma salvaste a vida ?!!

    Sempre com ar sereno, Victor contou-lhe a história de Eloise …

    A Catarina custou-lhe aceitar a sua nova situação … mas tinha consciência que a outra alternativa era muito pior …

    --- E agora ?!

    --- Agora estás quase recuperada. Necessitas da tua primeira dose de sangue. Depois irás para tua casa e farás a tua vida normal. Todos os dias precisarás de beber sangue. Vens aqui e eu te proporcionarei.

    Enquanto falava aproximou-se de um grande frigorífico com código de acesso … de dentro tirou uma bolsa de sangue …

    --- Toma a tua primeira dose.

    --- Parece uma bolsa como as que usam no hospital para as transfusões …

    Victor olhou para ela … na sua cara desenhou-se um pequeno sorriso … pequeno e de curta duração …

    Ao sair da casa, Catarina ligou o telemóvel … tinha muitas chamadas … gente preocupada … como os seus pais … compreensível … estava desaparecida mais de 24 horas …

    As horas seguintes dedicou-as aos seus progenitores … inventou uma história … a primeira que lhe veio à cabeça … não parecia muito credível … mas a alegria deles ao vê-la de volta a casa superou todos os interrogantes ….

    Essa mesma tarde ligou para o seu amigo/irmão Jorge …

    --- Catarina !! … Que alegria ouvir-te … que te aconteceu ?!! … aqui no Liceu disseram que tinhas morrido …

    --- A ti parece-te que esta é a voz de uma morta ?!

    --- Claro que não !

    --- Temos que nos ver … tenho muito para te contar …

    Encontraram -se no dia seguinte depois das aulas … uma conversa difícil … tal como difícil foi convencer Jorge do que lhe havia passado …

    --- Vamos a ver … Caty … tudo isso, compreenderás, é muito difícil de aceitar … os Lobos dizem que te deram forte …

    --- Os Lobos ?!!?

    --- Sim … foi o nome que pusémos a essa pandilha de anormais que te chateia todos os dias …

    --- Pois aquí estou … viva e saltando … com mais vidas do que uma gata

    Jorge olhava-a entre a admiração e a incredulidade …

    De repente soou o seu telemóvel …

    Agarrou-o tão bruscamente que este lhe saltou das mãos caindo e deslizando até debaixo de um carro estacionado …

    --- Gaita ! Agora tenho que deitar-me no chão para chegar a ele … vou-me sujar todo de barro …

    Sem pensar, Catarina agarrou o veículo, à altura da roda, e levantou-o como se fosse uma simples cadeira …

    Jorge ficou paralizado … olhos muito abertos … não acreditava no que viam os seus olhos …

    --- Vamos! Apanha-o !

    Agora já não tinha dúvidas …

    --- E que mais podes fazer, Caty ?!

    --- Ainda não sei bem … nem sequer sabia que podia fazer isto … … saiu-me assim …

    --- Fantástico …. temos que conhecer realmente até onde chegam os teus novos “poderes!” …

    --- Uauu ! Como soa isso … até parece que pertenço ao universo Marvel …

    Nesse momento Catarina ficou muito séria …

    --- Que se passa ?!

    --- Vem aí Marisa …

    --- Uma dos Lobos ?!

    --- Sim … e vai passar mesmo pela nosse frente …

    Jorge olhou em todas as direcções … não se via    ninguém … não ouvia nada de anormal …

    Passaram alguns minutos quando a figura da rapariga apareceu ao fundo do passeio …

    --- Caramba … tinhas razão …

    Catarina não lhe respondeu … levantou-se de um salto e, como um raio, agarrou a moça por um braço e arrastou-a para um jardim perto …

    --- Caty … não !!! --- Jorge correu atrás delas …

    Catarina empurrou-a e quando ela caiu no chão sentou-se em cima do seu peito diante dos olhos atónitos de medo da rapariga …

    --- Estás !!! … Estás … !!!

  --- Viva ?! Sim … e agora mesmo sou o teu maior pesadelo …

    Nem se dava conta de comol he crescian os dentes caninos … nem de como se alongavam as unhas … só queria vingança … matá-la …

    Levantou o braço … um deslizar daquelas unhas por aquele pescoço … e tudo terminaria …

    --- Caty pára ! … Não faças isso … !!!

    --- Sai daqui, Jorge !

    --- Não … não podes matá-la … tu não es assim, Caty …   

    --- Enganas-te … irmão … eu não era assim … agora sou diferente …

    --- Não, Caty … pensa … esta gente é monstruosa … quase te mataram …

    --- Bem sei … por isso chegou a hora da vingança …

    --- Espera Caty … se fazes isso … em que serás diferente deles ?!!? Não podes … Não deves …

    Jorge abraçou-a por detrás …

    --- Vem … ela já está bastante assustada … deixa-a ir … contará o que se passou … não acreditarão nela … mas te respeitarão …

    Pouco a pouco, as unhas e os dentes de Catarina, voltaram, ao normal …

    Levantou-se e olhou a Marisa nos olhos …

    --- Vai-te embora daqui … lembra-te sempre deste dia …

    A rapariga saiu correndo …

    Ela abraçou a Jorge … como sempre … era o amigo que a chamava à razão … que a tranquilizava …

    Abria-se para ela uma longa vida nova … coisas do destino … coisas de sangue …



                                    fim


correctora: MARIA PERES

O FIM ... OU ... O PRINCÍPIO ?! - jorge peres - 81

                                  O FIM … OU O PRINCÍPIO …      Fechei um dos olhos … com o outro tentei alinhar a pistola c...